Beleza e espiritualidade



Quanta complicação uma mulher é capaz de fazer para sair de casa. Estou cada dia mais surpresa com a imensa preocupação, e inevitável sofrimento das mulheres para, artificialmente, parecer "naturalmente bela". O que acontece com a beleza simples, natural, da pessoas? Não sei se um dia ela existiu, mas é assim que vejo a beleza. Ela acontece. Não precisa de esforços.

Ninguém tem que ser loira, ninguém precisa passar horas alisando cabelos, não é necessário tanto sofrimento. Ter cabelos castanhos está perfeito. Os cachos são bonitos de pegar. Uma espinha é somente uma inflamação boba que vai passar. Aquela dobrinha pra fora da tua calça é bonita porque é natural, não existe nada de errado em não pesar 35 Kg. Cabelo afro é lindo, a pele negra é linda, a pela branca transparente e cheia de sardas é linda.

As tuas roupas precisam te esquentar, te cobrir um pouco, facilitar teu movimento, teu trabalho. Mas, ao contrário, usamos coisas que nos impedem de sentar ou andar. Vai fazer amor, tem que se preocupar com a blusa apertada demais pra sair? Pedir licença e ir ao banheiro? Apagar a luz?

Todas as populações do mundo inventam seu adornos. Pintar os lábios de vermelho tem origem indígena: acredita-se que o vermelho em alguns lugares considerados vulneráveis dá proteção. Por isso, até hoje, ele é mais comum no interior que nas grandes cidades, nas roupas, unhas e boca.

Estes dias resolvi sair de casa de rosto limpo logo pela manhã. A excessão foi incrível, me senti próxima da libertação. Mas, ainda não. Também me senti feia o dia todo, veja só que absurdo! Dependo que três ou quatro grandes empresas de cosméticos me digam o que é ser bonita e sentir-se bem.

Fiquei pensando nas mulheres mais bonitas que conheço. Elas são perfeitamente naturais. Mesmo se maquiando um pouco, não são exageradas. Não se preocupam tanto assim com o volume do cabelo. Não querem ser morenas de sol nem ter marcas de biquíni. A barriguinha está lá, e é aceita. Sua beleza provém da conexão consigo mesmas, do auto conhecimento, da aceitação de seu corpo, da felicidade de seus olhos.

Eu estou procurando o caminho da minha própria libertação. Não ao cabelão que me enche o saco, não à maquiagem que não me deixa beijar as pessoas, não à roupa que me tolhe os movimentos, não me peso mais, nem falo de dietas, cabelos e unhas. Eu ainda chego lá. Já me sinto mais livre e mais bonita.

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O que você pode fazer para diminuir a pressão por beleza artificial que toda mulher sofre?

1) Não pactue com isso. Não super valorize dietas, cremes, silicone, especialmente em frente de garotas e crianças.

2) Pare de se pesar, corte as etiquetas das roupas. Liberte-se.

3) Seja menos consumista: não, você não precisa da última sandália da moda. Ela machuca seu pé e não te deixa correr com as crianças.

4) Páre de se preocupar tanto com o que os outros vão pensar.

5) Use roupas confortáveis, que não te apertem, com as quais você se sinta melhor.

6) Faça uma lista das mulheres que você admira e pense por que motivo você as vê como modelos pra sua vida. Abaixo vai a minha.

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Joyce: primeira mulher a se apresentar cantando e tocando violão ao mesmo tempo no Brasil, considerado um instrumento primeiro para vagabundos, depois só para homens. Ela se apresenta de óculos, sem maquiagem. Simples. Maravilhosa.

Michele Bachelet: presidente do Chile. Primeira presidente mulher da América, ex-militante, foi torturada e exilada durante o regime ditatorial de Pinochet.

Simone de Beauvoir: símbolo feminista, escritora francesa. Escreveu o livro mais importante do feminismo nos anos 60, O Segundo Sexo, completamente inovador e revolucionário para seu tempo.

Lygia Sigaud: professora da UFRJ, pesquisadora do meio rural. Escreveu importantes livros na área de sociologia rural e movimento social no campo brasileiro, especialmente do Nordeste.

Minha mãe: nasceu na maior propriedade privada da América Latina, trabalhou desde os 8 anos, ambiente opressor, onde pessoas viviam em regime de semi escravidão. Foi sozinha para São Paulo com 14 anos, trabalhar e estudar. Foi lá que viu uma maçã pela primeira vez. Sempre achou que bonito é vestido florido e sandália branca. Tem 51 anos, não pinta os cabelos grisalhos, não usa maquiagem, e é linda demais.