Homeopatia



Eu sempre escrevo sobre falar a verdade, e nunca falo. Eu engulo a verdade em forma de fumaça e arroz. Uma pessoa segura de dar raiva, passando por cima de tudo, que não precisa de ninguém. Eu saí de casa cedo, eu beijei cedo, eu moro sozinha num lugar meu, que eu pago, eu mudo muito de lugar, não sou apegada ao que passou. Eis a imagem que deixo solta por aí: não, não preciso de mais ninguém.

Quando era criança, e ficava doente, queria fazer meu próprio suco de laranja. Eu lembrava de tomar os remédios no horário certinho.

- Filha, já tomou o remédio?
- Claro, mãe.

Eu nunca digo o que sinto. Frases que nunca saem de minha boca: eu estou triste com você, eu não estou te entendendo, eu estou com raiva, eu me sinto mal, eu me sinto descartável.

Hoje um grande amigo me disse que preciso dizer o que sinto, e parar de engulir as verdades. Eu vou começar dizendo então: esta cidade tá chata. Eu adoro morar sozinha, porque me dá paz e liberdade. Mas eu sinto falta de gente atrapalhando minha rotina e acordando aqui. Eu detesto relacionamentos homeopáticos, daqueles que vêm e vão quando bem entendem. Eu gostaria de poder errar de vez em quando, e não ser o fim do mundo. Eu não tenho medo das pessoas, eu gosto delas. Eu abro a minha vida facilmente para que seja ocupada.

Eu só não entendo onde está a delicadeza. A minha, está bem viva sempre. Mesmo que eu não fale dela.

Contabilidade

Táxi para ir até algum lugar: R$13
Shopping errado.
Cinema com filme bom, e só você na sala, em pleno sábado à noite: R$12
Pipoca e bebida preta: R$8
Só opção "large"
Andança à toa. Roupas feias nas vitrines. Óculos caros. Crianças aos montes.
Chocolate: R$2
Corte de cabelo igual moça da revista: R$32
Cabelereiro inseguro e cansado.
Táxi para voltar à lugar nenhum: R$15
Motorista comentando de filme pornográfico na TV à cabo.
Jantar vermelho e amarelo: R$10
Chocolate: R$3
Adolescentes te enchendo na rua.
Preço do tédio: ALTO.

Urgente



A compulsão do sucesso. É preciso ser feliz, urgentemente. É preciso consumir a felicidade em gotas, em comprimidos, em carros novos e mulheres novas. Existe a obrigação, real, da felicidade. É preciso ter boas histórias, e beber muito para esquecer as antigas, é preciso ser sociável, ter novos amigos, manter os antigos, dançar todas as danças sem cair. É urgente que se construam novos corpos, novos amores, que novas formas de se divertir sejam criadas, novas peças encenadas, novos filhos concebidos.

Temos que saber cantar todas as músicas, e namorar todas as pessoas, e sumir para longe da vida delas no minuto seguinte. É preciso esquecer velhos amores, e cuidar para não criar outros e recomeçar o ciclo. É preciso conhecer todas as cidades, viajar para todos os países e se falar muitas línguas.

Por dentro, ainda: a mesma carne. Sangue e ossos furando a pele. A mesma verdade da imperfeição e da chatice. Muitas línguas e nada para se falar. Muitos corpos, todos sem voz.