Aviões



Um vestido rosa, uma mulher alta. Um homem que dança todo esquisito e feliz olhando gozando a platéia que foi ali pra ver o que ele é capaz de provocar. O êxtase da música, a alegria do samba, o cantar delicado da guitarra e a batida dura do baixo ecoando em meu peito. Todo som modificando cada pedaço do meu corpo, pés se movendo pra cima pra baixo pra frente pra cima. Os olhos se fechando no gozo do estar junto olham pra cima e vêem um avião imenso.

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Um amigo com uma garota de programa encontra outra. Entra num hotel barato e ouve aviões decolando. A geladeira velha treme. As fotos velhas tremem. Os três corpos em ballet e Lexotan tremem com o decolar das máquinas.

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A TV preto e branco, músicas estranhas e um avião cortando a tela. Kubrick corta a tela e me corta. Onde olho vejo livros de homens que queriam voar e um homem embaixo de mim sorri.

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Aviões que decolam e se arrebentam na parede. Um desenho ocupa metade da parede, um avião bobo. O menino de mãos firmes em minhas costas desenha imagens de asas.

Castanha



Não é possível ser infeliz ouvindo música mineira. Ninguém consegue escrever textos com qualquer indelicadeza enquanto ouve Milton, Toninho, Drummond, e tantos outros.

Eu queria ter nascido numa montanha verde. Quisera ter negros brilhantes a minha volta, e tropeçar entre os loucos que deitam nas ruas em Barbacena.

Ter morado na esquina do clube, olhar a rua de cima do meu portão de ferro gelado sob meus braços, enquanto um saxofone longe toca bonito e uma senhora enrugada me cumprimenta ao passar.

Eu teria belos vestidos cor de terra, cabelos longos e um olho de cada tom de castanho olhando o tempo fazer suas contas. Escreveria poesias que nunca mostraria a ninguém, em um caderno bege.

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Trilha Sonora: http://umquetenha.blogspot.com/2008/11/coletnea-brasileirssima-msica-de-minas_20.html

Estradas

Eu sempre morei do lado da pista. Talvez seja por isso que tenho tanta vontade sair do lugar onde estou, sempre.

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Eu gostava de literatura fantástica. Os autores inventando estradas imensas onde passeavam seus personagens mais estranhos. Sempre indo embora.

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Ave Maria cheia de graça, o senhor é convosco. Ave Maria cheia de graça....AVE! A garota solta o terço na cadeira, abre a pesada porta de madeira, e sai. Sente o sol amarelo fraco, e apressa o passo. Chega num trote em casa. Ué, filha,acabou o catecismo? Acabou, mãe, de vez.

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Mas, você não tem medo de ir pra esta cidade que nunca viu? Não, eu tenho medo de ficar onde sempre estive.

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O trabalho era monótono, cheio de dias imensos. Ao meu lado, uma piscina azul tomava o pátio. Da minha janela, podia ver o limpador de piscinas, e invejava seu trabalho no sol, brincando com água. A cada dois minutos minha imaginação fugia da tela do computador, e ficava azul.

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Ficar bem onde estou. Ficar bem em mim. Saber quem eu sou. Tantas tarefas...bom mesmo seria pegar um ônibus para o Chile.

Sono



Fiquei muito tempo sem te ver. Creio que foram anos. Um dia, branca e estrangeira, cheguei num lugar agitado e te vi num canto fumando. Você estava bonito, cabelos grandes, bem maiores do que da última vez que lhe vi. Mas você estava triste. Estava tão triste, que não conseguiu mentir rosto feliz quando me viu. Deu um sorriso amarelo com fumaça entre os dentes. Acenei.

Pouco tempo depois, te encontrei lá fora, tentando ir embora sozinho. Estava escuro, fui lhe falar, você não respondia direito. Insisti em te acompanhar, instinto de cuidado ainda preservado. Você recusou. Te segui de longe durante parte do caminho, quando você desistiu e sentou na grama, exatamente como da primeira vez que te vi. Só que não estava tranquilo como antes. Uma pessoa muito querida tinha lhe deixado, e tua dor era sincera. A minha, em te ver assim, também.

Fui até sua casa, nossa antiga casa, e te coloquei na cama. Meu colchão ainda estava ali embaixo. Os cães ainda me reconheciam. Dormimos.

No dia seguinte, te fiz fazer coisas bobas. Andar pelo bairro, olhar arquiteturas bonitas, pegar mexericas no quintal, varrer o chão, fumar cigarros na janela.

À noite, quando quis ir a mais uma festa para se despedir dela e de você, te impedi delicamente, acompanhando você. Te sentei no mesmo bar, pedi as mesmas cervejas e te ouvi falar dela por horas. Paguei a conta e saímos. Você estava chateado, e se irritou muito quando as primeiras gotas caíram do céu. Andou mais rápido. Deu falta de mim. Ao parar para olhar pra trás, me viu maravilhada olhando para cima, sentindo a chuva no rosto, e rindo mais alto ao vê-la aumentar.

Nada é tão ruim que uma boa chuva de madrugada não seja capaz de curar. Fomos para casa, molhados e sem graça, tiramos as roupas e dormimos um sono de anos.

Concreto



Copos americanos de vidro, mesas sujas, cerveja sem gelo. Sempre os mesmos motivos. Tem vezes que toda a força do mundo não é suficiente para te colocar de pé da mesa onde descansa. Horas fazendo um esforço comedido para sorrir. Meus olhos cheios de tédio. Ontem, hoje. Os copos americanos vazios, cerveja barata.

Não importa o que se pense ou se fale. Os mesmos copos americanos estarão ali, até o fim dos tempos.

Ainda: delicadeza

Eu sempre digo que ninguém é dono dos outros, nós vivemos soltos por aí, nos doando aos poucos para cada um dos que acabam compartilhando suas tardes, seus beijos, suas letras, suas histórias, suas vidas conosco. Nós escolhemos nos doar. Eu gosto das pessoas com sinceridade. Não sou deslumbrada, nem carente, nem nervosa. Eu simplesmente me agrado, e passo a viver com olhos novos sob mim. E vou levando na mansidão de quem nunca tem pressa, nem medo de se envolver com a vida dos outros.

Converso todos os dias com muitas mulheres e homens. Querem coisas muito diferentes. As mulheres, querem a ilusão de serem únicas, às vezes às custas de uma felicidade maior. Os homens, querem uma coisa que chamam de liberdade, mas podemos também chamar de paz para serem superficiais.

No fundo, creio que todos querem ter algum respeito. Querem que não furem a fila na sua frente. Que liguem no seu aniversário. Que lhe dêem ouvidos quando tiver algo difícil pra dizer. Querem que lhe tratem com delicadeza.

Vou lançar um movimento: onde foi parar a delicadeza das pessoas?

Lembranças amarelas, roxas, laranjas



A infância para mim tem gosto de compota de fruta feita em casa. Geléia de jabuticaba, geléia de morango, doce de figo inteiro, doce de goiaba em pedaços, mamão açucarado cortado bem fininho, meu pai comendo doce de abóbora com um garfo, de dentro do pote mesmo. Meu pote de doce de goiaba, mais cheiroso que tudo nesta vida.

Eu não tinha pés de frutas no apartamento onde morava, mas minha mãe conseguia sempre as mais bonitas, mais maduras, ou cheias de cal, nas feiras de bairro onde íamos. Eu fui uma menina carregadora de sacolas, cheias de todas as verduras e frutas que eu mais gostava. Chegando em casa, punha as sacolinhas em cima da mesa, e sentava em cima da pia no meu lugar favorito. Dali, podia observar minha mãe mexendo panelas por horas. Até hoje não entendo por que é que nunca aprendi a fazer os tais doces e compotas.

Ia para casa de minha avó, e subia na goiabeira com minhas primas. Um dia, meu avô cortou a goiabeira e nos deixou órfãos de árvore de vó. Lá, na mesma cidadezinha, íamos visitar mangueiras centenárias. O lugar era mágico, inventávamos mil histórias de como elas haviam sido plantadas por nossas tetravós. Dezenas de mangueiras bem cheias, mangas muito maduras, mangas voando sobre nossas cabeças, espatifando maduras no chão. O porta-malas do carro lotado da fruta amarela. Mangas pequenas, enormes, rosas, amarelas, laranjas. A gente colocava tudo numa bacia de lavar roupas gigante em cima da mesa da cozinha, e toda hora roubava uma para comer no quintal. Minha avó, sempre lambuzada de manga.

Quando parei de subir em árvores e fui tomada pelo amor pela primeira vez, matava aulas para colher amoras. Na minha escola havia muitas árvores, mas num canto, juntinhas, uma dezena de amoreiras. O rapaz gostava delas, mas eu não. Eu gostava era da graça de passar muito tempo olhando ele colher e comer. Pegava as maiores para mim, me dava várias nas mãos: come, é bom.

Fomos para casa, namoramos muito. Muitas horas. Minha mãe chegou: susto. Ela trazia um balde de amoras.

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O menino do balde de amoras se tornou escritor. Tem textos lindos dele, aqui: http://enguiacega.blogspot.com/
Em meio a tantos, achei referências às amoras também.

la vie en rose

A vida não é rosa, mas de vez em quando tem tanta beleza no ar que nos expulsa pra fora da casca, e sentimos como se vivêssemos muito, do alto de nossos vinte e poucos. Uma só vida não basta pra contar tanta história.

Hoje choveu fraco e o calor forte fez a chuva parecer ainda mais bonita, e o cheiro do chão ainda melhor, desprendendo cada grão de memória dentro de nós.

Eu estou toda memória, porque não ando vivendo nada importante. Uns amores bobos aqui e acolá, velhos amores cheios de verdade se indo, levando a vida burguesa de sempre, asseada, limpa, tentando não cair em meio às montanhas de roupas amassadas no meio da casa, acordando cedo todo dia, religiosamente ao despertar do relógio. Tomando meu café depois do almoço sempre de pé, a mesma miopia me incomodando todos os dias, preguiça de ouvir novas músicas.

Vontade ser toda silêncio, e ir para um lugar onde não possa machucar a mim mesma, nem a ninguém.

Homeopatia



Eu sempre escrevo sobre falar a verdade, e nunca falo. Eu engulo a verdade em forma de fumaça e arroz. Uma pessoa segura de dar raiva, passando por cima de tudo, que não precisa de ninguém. Eu saí de casa cedo, eu beijei cedo, eu moro sozinha num lugar meu, que eu pago, eu mudo muito de lugar, não sou apegada ao que passou. Eis a imagem que deixo solta por aí: não, não preciso de mais ninguém.

Quando era criança, e ficava doente, queria fazer meu próprio suco de laranja. Eu lembrava de tomar os remédios no horário certinho.

- Filha, já tomou o remédio?
- Claro, mãe.

Eu nunca digo o que sinto. Frases que nunca saem de minha boca: eu estou triste com você, eu não estou te entendendo, eu estou com raiva, eu me sinto mal, eu me sinto descartável.

Hoje um grande amigo me disse que preciso dizer o que sinto, e parar de engulir as verdades. Eu vou começar dizendo então: esta cidade tá chata. Eu adoro morar sozinha, porque me dá paz e liberdade. Mas eu sinto falta de gente atrapalhando minha rotina e acordando aqui. Eu detesto relacionamentos homeopáticos, daqueles que vêm e vão quando bem entendem. Eu gostaria de poder errar de vez em quando, e não ser o fim do mundo. Eu não tenho medo das pessoas, eu gosto delas. Eu abro a minha vida facilmente para que seja ocupada.

Eu só não entendo onde está a delicadeza. A minha, está bem viva sempre. Mesmo que eu não fale dela.

Contabilidade

Táxi para ir até algum lugar: R$13
Shopping errado.
Cinema com filme bom, e só você na sala, em pleno sábado à noite: R$12
Pipoca e bebida preta: R$8
Só opção "large"
Andança à toa. Roupas feias nas vitrines. Óculos caros. Crianças aos montes.
Chocolate: R$2
Corte de cabelo igual moça da revista: R$32
Cabelereiro inseguro e cansado.
Táxi para voltar à lugar nenhum: R$15
Motorista comentando de filme pornográfico na TV à cabo.
Jantar vermelho e amarelo: R$10
Chocolate: R$3
Adolescentes te enchendo na rua.
Preço do tédio: ALTO.

Urgente



A compulsão do sucesso. É preciso ser feliz, urgentemente. É preciso consumir a felicidade em gotas, em comprimidos, em carros novos e mulheres novas. Existe a obrigação, real, da felicidade. É preciso ter boas histórias, e beber muito para esquecer as antigas, é preciso ser sociável, ter novos amigos, manter os antigos, dançar todas as danças sem cair. É urgente que se construam novos corpos, novos amores, que novas formas de se divertir sejam criadas, novas peças encenadas, novos filhos concebidos.

Temos que saber cantar todas as músicas, e namorar todas as pessoas, e sumir para longe da vida delas no minuto seguinte. É preciso esquecer velhos amores, e cuidar para não criar outros e recomeçar o ciclo. É preciso conhecer todas as cidades, viajar para todos os países e se falar muitas línguas.

Por dentro, ainda: a mesma carne. Sangue e ossos furando a pele. A mesma verdade da imperfeição e da chatice. Muitas línguas e nada para se falar. Muitos corpos, todos sem voz.

Um mês sem TV



A TV nunca foi parte muito importante na minha vida. Eu não tive desenhos preferidos, ou apresentadora infantil que eu mais gostasse. Minha mãe nunca me mandou sair da frente dela, porque eu realmente não era muito fã. Eu nunca gostei de TV no quarto, e escolhi um aparelho de som no lugar dela quando me perguntaram o que queria.

Quando passava as tardes sozinhas e era criança, eu deitava no sofá e dormia ouvindo a musiquinha do Vídeo Show. Quando acordava, ia inventar algo pra fazer fora de casa. Eu sou daquelas que quando chega uma visita, desliga a TV na hora. Acho terrível continuar prestando atenção nela, enquanto deveríamos estar olhando as pessoas nos olhos.

Mesmo assim, morando em repúblicas, a TV passou a ter um significado diferente. Nós nos reuníamos em torno dela para comentar qualquer coisa bizarra que estivesse passando. Nunca conseguíamos ouvir as novelas, de tanta mulher falando. Era o momento que nos unia, e não importava muito o que estivesse passando.

Depois, tive um companheiro que gostava muito de filmes e dvds de shows, mas ele já preparava o sofá com meu travesseiro, porque sabia que eu iria dormir.

Quando fui morar sozinha, minha mãe me deu uma TV de presente. Bem, eu ligava ela de manhã para saber que horas eram, e à noite, quando sentia vontade de ficar letárgica.

No último mês, entretanto, resolvi desligá-la de vez. Tirei da tomada. O resultado foi que todas as noites eu tinha que inventar algo calmo pra fazer, pra me desligar do dia a dia, e resolvi ler umas coisas. Em um mês, li dois livros do Philip Roth, maravilhosos, li outro sobre a sociedade do hiperconsumo, terminei o do Pamuk e do Auster, comprei mais um, desta vez Kafka. E ainda baixei uns 15 álbuns maravilhosos e ouvi todos.

Reparei que as horas que passamos em frente à TV são horas de leitura desperdiçadas. Tanto quanto fazer manicure toda semana.

Hoje, resolvi religar. Estava cansada de ler e de trabalhar, pleno domingo. Aconteceu o que eu devo chamar de um sinal, ou milagre: um cantor ruivo esgoelava um tecno brega doente de tão brega, enquanto sua parceira rebolava, bem como os outros quatro bailarinos vestidos com estampa de vaca, e uma anã de peruca loira e decote balançava o cd da banda como propaganda.

Um sinal dos céus: DESLIGUE A TV.

PS: Site incrível: Kill you TV: http://www.turnoffyourtv.com/

E outro, que desistiu da TV (em inglês): http://www.stevepavlina.com/blog/2006/06/giving-up-tv/

Para Sagitta - Meu muito obrigada

Eu inventei certa vez uma bonita história e fiz me ouvirem contá-la. Eu explicava com pausas nos momentos certos o nascimento, vida e morte do maior amor do mundo. Eu punha boas vírgulas, usava os dois pontos claramente: criando suspense. Os olhos verdes brilhando diante da minha voz me encantavam, e eu continuava. Criei momentos dramáticos de compaixão e admiração, temperei com arte de todos os tipos, enfiei um monte de frases da mais alta literatura goela abaixo da minha história.
Ela era para ser um conto bonito de um amor de criança, que acaba quando a infância é mastigada e cuspida no chão por um adulto crescido, mas acabou se tornando outra coisa.
A história criou vida própria. Ela inventou rumos diferentes, ela tomou estradas cheias de montanhas e música, ela subiu e desceu colinas e morros. A história resolveu se machucar, resolveu experimentar-se e ao mundo. A autora ficou sem notícias, e congelou suas palavras. Cansada e já seca dos olhos, escreveu muitas cartas pensando em um dia publicá-las. Entretanto, de sua garganta nada saía. Compulsivamente, registrava o silêncio em folhas de papel de pão com as pontas dos dedos sujos de amoras.

* Texto dedicado àqueles que nunca se vão, pois se tornaram parte de nós.

Saudades, simples assim

Quando eu era criança já crescida, meu maior sonho era andar pela Paulista sozinha à noite, em meio àquele monte de gente saindo do trabalho, e não cumprimentar ninguém. Só andar, completamente livre, com a sensação de que ninguém se importava comigo. Poder ser quem eu quisesse, mudar, ser diferente, e voltar a ser eu sem ninguém perceber.

Impressiona ver o caráter se formando, e seus valores grudando à sua pele. E assusta ver o quão diferente fomos capaz de nos tornar.

Este fim de semana, por um motivo delicado, viajei mais de seis horas para me juntar aos meus. Fui para a pequena cidade de onde digo que sou, por orgulho e saudade. Desde o momento que o carro entrou e vi a mesma rotatória que vejo há mais de vinte anos, virei na mesma rua onde meu irmão jogava bola quando nem tinha barba, e entrei sem bater no portão que nunca está trancado, meu coração sorria aberto também. Os primeiros rostos que vi foram rostos que me amam profundamente.

Passei dois dias somente, mas recebi uma avalanche de ois e tchaus, de como vais, de olhares de preocupação e carinho sinceros. Abraços reais, conversas reais. Andando nas ruas, encontrava tios e primos, avós e parentes de toda espécie. As mesmas ruas onde passei o comecinho da minha adolescência contando os postes pra chegar em casa, sentada na mesma praça onde meus avós se casaram há sessenta anos atrás, indo à mesma feirinha que vou há tempo demais para me lembrar. Havia lá tanta gente que me conhecia desde criança, e para quem não preciso explicar nada, que me deu uma imensa preuiça de voltar pra minha própria vida.

Eu ando nas ruas da cidade que moro e olho para todos os rostos. Não reconheço nenhum. Ninguém olha para mim, e posso ser quem eu quiser. Moro novamente em um prédio onde o porteiro sabe tudo da minha vida, e cumprimento pessoas sem olhar nos olhos.

Ir embora é um parto, todos os dias. O mundo é assustador, e eu achava que iríamos calejar. Meu espírito, porém, não é desprendido como eu ou todos pensavam. Estou inundada de saudades de tudo.

Mais chuva



Minha fonte de palavras secou. Estou feito árvore molhada em dia de chuva forte. Cansada, molhada, vencida. No próximo dia de sol, vou secar?

Se somos aquilo que os olhos dos outros vêem, se me vejo nos olhos dos outros, sou uma bela mulher. Roupas pretas me caem bem, tanto quanto o luto. Olhos brilham diante do mundo. A vida pela frente, por uma noite perde o sentido. Sou toda sentidos.

Me permito a queda, me deixa escorregar cheia de orvalho. Porém, sou forte feito árvore velha. Eu fico, a chuva passa.

A dor de ser responsável por quem se é me fragmenta. Mas, se me mantenho dentro de um quarto fechado, vejo as pequenas partes se recomporem uma a uma. Tenho paciência infinita. Uma a uma, as partes voltam. Os pés se plantam no chão. Volto a sentir as mãos. Os ouvidos voltam a escutar. Ponho Milton bem alto para me sentir viva.

O coração e o estômago são os últimos a voltarem para dentro de mim. Sinto vermelhas minhas carnes colando-se. Enfim, me levanto, e acendo um cigarro na janela. A fumaça que me dissolvia ainda me fará bem.

Olho a vida daqui de cima, acontecendo lá embaixo. Foram muitos anos olhando. É o momento de partir. Deixo o velho folk americano parar de tocar na vitrola, a agulha se levanta sozinha e não ouço o fim, porque parti.

Nem choro nem vela

A felicidade é passageira. E daí? O sofrimento também é. Também sou passageira.

Quero a risada alta, o passo largo, a voz alta, o olhar certo, vivo, brilho, canções e muito violão, muita voz, muita água e céu e montanhas. Pra mim quero a mim mesma mais que tudo.

Hoje estou na cidade mais feliz que conheci.

Hoje sou a pessoa mais feliz que eu conheci. Estou viva, e isso basta. A vida pulsa em mim e no mundo. As pessoas são a maior felicidade e o maior sofrimento. E daí? basta para mim: estou viva, hoje. E quero o mundo dentro de mim.

Beleza e espiritualidade



Quanta complicação uma mulher é capaz de fazer para sair de casa. Estou cada dia mais surpresa com a imensa preocupação, e inevitável sofrimento das mulheres para, artificialmente, parecer "naturalmente bela". O que acontece com a beleza simples, natural, da pessoas? Não sei se um dia ela existiu, mas é assim que vejo a beleza. Ela acontece. Não precisa de esforços.

Ninguém tem que ser loira, ninguém precisa passar horas alisando cabelos, não é necessário tanto sofrimento. Ter cabelos castanhos está perfeito. Os cachos são bonitos de pegar. Uma espinha é somente uma inflamação boba que vai passar. Aquela dobrinha pra fora da tua calça é bonita porque é natural, não existe nada de errado em não pesar 35 Kg. Cabelo afro é lindo, a pele negra é linda, a pela branca transparente e cheia de sardas é linda.

As tuas roupas precisam te esquentar, te cobrir um pouco, facilitar teu movimento, teu trabalho. Mas, ao contrário, usamos coisas que nos impedem de sentar ou andar. Vai fazer amor, tem que se preocupar com a blusa apertada demais pra sair? Pedir licença e ir ao banheiro? Apagar a luz?

Todas as populações do mundo inventam seu adornos. Pintar os lábios de vermelho tem origem indígena: acredita-se que o vermelho em alguns lugares considerados vulneráveis dá proteção. Por isso, até hoje, ele é mais comum no interior que nas grandes cidades, nas roupas, unhas e boca.

Estes dias resolvi sair de casa de rosto limpo logo pela manhã. A excessão foi incrível, me senti próxima da libertação. Mas, ainda não. Também me senti feia o dia todo, veja só que absurdo! Dependo que três ou quatro grandes empresas de cosméticos me digam o que é ser bonita e sentir-se bem.

Fiquei pensando nas mulheres mais bonitas que conheço. Elas são perfeitamente naturais. Mesmo se maquiando um pouco, não são exageradas. Não se preocupam tanto assim com o volume do cabelo. Não querem ser morenas de sol nem ter marcas de biquíni. A barriguinha está lá, e é aceita. Sua beleza provém da conexão consigo mesmas, do auto conhecimento, da aceitação de seu corpo, da felicidade de seus olhos.

Eu estou procurando o caminho da minha própria libertação. Não ao cabelão que me enche o saco, não à maquiagem que não me deixa beijar as pessoas, não à roupa que me tolhe os movimentos, não me peso mais, nem falo de dietas, cabelos e unhas. Eu ainda chego lá. Já me sinto mais livre e mais bonita.

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O que você pode fazer para diminuir a pressão por beleza artificial que toda mulher sofre?

1) Não pactue com isso. Não super valorize dietas, cremes, silicone, especialmente em frente de garotas e crianças.

2) Pare de se pesar, corte as etiquetas das roupas. Liberte-se.

3) Seja menos consumista: não, você não precisa da última sandália da moda. Ela machuca seu pé e não te deixa correr com as crianças.

4) Páre de se preocupar tanto com o que os outros vão pensar.

5) Use roupas confortáveis, que não te apertem, com as quais você se sinta melhor.

6) Faça uma lista das mulheres que você admira e pense por que motivo você as vê como modelos pra sua vida. Abaixo vai a minha.

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Joyce: primeira mulher a se apresentar cantando e tocando violão ao mesmo tempo no Brasil, considerado um instrumento primeiro para vagabundos, depois só para homens. Ela se apresenta de óculos, sem maquiagem. Simples. Maravilhosa.

Michele Bachelet: presidente do Chile. Primeira presidente mulher da América, ex-militante, foi torturada e exilada durante o regime ditatorial de Pinochet.

Simone de Beauvoir: símbolo feminista, escritora francesa. Escreveu o livro mais importante do feminismo nos anos 60, O Segundo Sexo, completamente inovador e revolucionário para seu tempo.

Lygia Sigaud: professora da UFRJ, pesquisadora do meio rural. Escreveu importantes livros na área de sociologia rural e movimento social no campo brasileiro, especialmente do Nordeste.

Minha mãe: nasceu na maior propriedade privada da América Latina, trabalhou desde os 8 anos, ambiente opressor, onde pessoas viviam em regime de semi escravidão. Foi sozinha para São Paulo com 14 anos, trabalhar e estudar. Foi lá que viu uma maçã pela primeira vez. Sempre achou que bonito é vestido florido e sandália branca. Tem 51 anos, não pinta os cabelos grisalhos, não usa maquiagem, e é linda demais.

Dia azul



Um dia, você é uma moça de olhos azuis cor de água, passeando com suas irmãs na rua, e vê um rapaz de olhos azuis cor do céu pela primeira vez. Dali sessenta anos, você, sentada em uma cadeira de rodas, olha para ele pela última vez, mas ele está de olhos fechados. Ao seu lado, todos os filhos, netos e bisnetos que vocês fizeram.

O momento da morte une as pessoas ao redor da única coisa que importa: estar vivo. Não importa o que aconteceu mais, todos estão juntos. Cantam-se canções antigas, velhinhas lembrando rezadeiras de fazenda se reúnem para que a pessoa vá em paz.

Comenta-se o que aconteceu de bom e ruim. Chora-se pelo que foi e por quem fica. Pelo que foi dito, feito, e pelo que nunca foi também. Aquela pessoa com quem brigou há quase trinta anos e nunca mais falou, te carrega em procissão.

Ninguém esperava que um dia tão azul e tão triste pudesse unir a todos da forma como uniu.

Vô, vamos usar sua laje sim, onde vc até dois dias atrás estava pendurado mexendo em cimento, ativo de tal forma que nos deixava preocupados. Vamos fazer grandes reuniões, enormes, cheias de gente, crianças gritando e dando risada. Da morte, sai-de com a sensação que é preciso recomeçar. Você recomeça, e nós também.

Olhos cor de laranja

O fogo é coisa pra se olhar por horas. Ele começa alto, barulhento, cheirando calor. É de não poder mais parar de olhar.

- Moça, posso sentar aqui?
- Claro.
- Sou Luís, e você?
- Joana. E estou com alguém.
- Ah sim, como não, me desculpe. Se quiser eu saio.
- Não se preocupe, ele é um babaca. Pode ficar.
- Não gosto de confusão pro meu lado, você entende. Vai que o homem é destes que não pode ver a mulher falando com outro que já quer briga...
- Não se preocupe, como já falei, ele é um babaca.
- É, moça, só pode ser, pois você está aqui fora tão sozinha quanto o fogo.
- Vixe, você é poeta. Bonito isso aí que você disse.
- Eu estou é meio comovido de te ver laranja da cor do fogo. Teus olhos azuis estão vermelhos.
- Andei fumando, querido. E eles devem estar vermelhos da raiva também.
- Ih, moça, com raiva? Devia dançar. Mas um xotezinho não, que dá tristeza.

Quando tudo se apaga

Limpo, limpo, meu corpo está limpo. Foi lavado, penteado, arrumado. Roupa nova, lençol novo, o velho quarto e os velhos pensamentos. Eu me mudo, eu mudo tudo em mim, e me carrego pra onde quer que eu vá.

Querendo resolver as coisas, perco tempo de viver. Eu vou é tentar aprender com elas, e as amar, e as compreender, e tirar alguma lição pra mim.

Hoje eu fecho um ciclo de amor, de amizade, mas eu serei sempre esta aqui. Sempre inventando novidades pra aquecer meu coração e ocupar minha mente, sempre seguindo, sem olhar tanto pra trás.

Na ânsia de viver demais, de viver tudo, eu não me vivo. Eu preciso ficar em silêncio, pegar a bicicleta e andar por aí sem ouvir música.

Quem é que fica, depois que tudo se apaga? Fica eu, ficam minhas memórias, muita gente que ganhei pelo caminho, muitas saudades. E fico eu, sempre eu, quem pra sempre vou levar ao meu lado, pra me apoiar e dizer que, claro, vai ficar tudo bem.

Descobrindo Deus



Bem no meio da noite, quando as estrelas já estão baixas, mas o sol ainda não começou a esquentar o mundo, me pego lendo todas as letras do Milton. Eu tinha uma resistência imensa a gostar dele. Ouvia sua voz delicada e dizia não me agradar. Insistiram. Eu neguei.

Um dia, me deu saudade de ouvir uma música simples, visceral, verdadeira. E lembrei de um álbum, o Clube da Esquina. Parei para ouvir uma, duas, mil vezes seguidas, como uma livro lido e relido. Foi ali que fui finalmente apresentada à voz do Milton, que é única. Sei que estou sendo infelizmente redundante, mas é o que sinto. E este caráter de singularidade me impedia de amá-lo.

Eu ouvi o mineiro até cansar a todos. Ouvi tudo que pude. Seus versos eram tão bonitos e sua tristeza tão verdadeira, seu amor tão sofrido. Uma incrível densidade em poucos versos. Parceiros incríveis, sempre homenageados por uma interpretação perfeita.

Ele gravou canções de folia de reis.

Milton me faz sorrir e chorar junto. O sorriso é encantamento, o choro sou eu vazando diante de tanta Beleza. Tem muita coisa dele que me deixa assim, mas nada é melhor que Travessia.

Os acordes ressoam dentro de mim de uma forma tão pesada, cada um deles, que só de escrever sobre esta música, tenho que parar para ouvi-la. Ela é tão linda, que quase chego a acreditar que Deus existe.

Amar



Eu nunca uso poemas aqui nestes textos. Hoje, este aqui não me saía da cabeça, e resolvi compartilhar com vocês antes de escrever.

Amar

Que pode uma criatura senão,
senão entre criaturas, amar?
amar e esquecer,
amar e malamar,
amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados, amar?

Que pode, pergunto, o ser amoroso
sozinho, em rotação universal, senão
rodar também, e amar?
amar o que o mar traz à praia,
o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?

Amar solenemente as palmas do deserto,
o que é entrega ou adoração expectante,
e amar o inóspito, o áspero,
um vaso sem flor, um chão de ferro,
e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e uma ave de rapina.

Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor a procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.

Amar a nossa falta mesma de amor, e na secura nossa
amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita.

Carlos, sempre Carlos, Drummond.

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Eu sinto falta demais de poesia na vida. Não sei se sou eu, ou meus olhos que amam. Mas eu amo sempre. Eu amo o futuro. Amo o que ainda não veio. Amo a possibilidade de amar.

Eu leio as coisas dos outros quando não consigo viver a própria poesia nas ruas. Eu me tranco neste quarto branco e cheio de santos marrons e leio, leio tudo o que posso, muitos livros ao mesmo tempo. Quero sugar pra dentro da minha própria história um pouco mais que beijos noturnos, um pouco além de palavras soltas, o Outro que nem conheço. Eu sugo o amor do Drummond, todo simples e levemente pornográfico. Eu janto o amor de Ka por Ípek, impossível, mórbido. Graciliano que ama uma mulher vendida. Thomas que não ama nada. Sartre que nem sequer suspira.

Eu engulo suas palavras como consolo, por não amar, por ter esquecido como é amar, por ter duvidado do amor.

O corpo se projeta no Outro. O corpo se projeta para o Outro. Eu acordo, me alimento, me banho, me mantenho viva por amor. O corpo só se realiza no amor. Toda a festa, primordial e necessária, se faz real no amor.

Enquanto não ama, um corpo é espera. É só um suporte, um castiçal, um vaso, guardando flores e fogo, enquanto o amor não chega.

As coisas findas



Diz meu poeta favorito que "as coisas findas, muito mais que lindas, estas ficarão". Eu adoro esta frase: ela diz que a beleza das coisas, das relações e acontecimentos está no seu caráter de passado.

Tudo que acabou é mais bonito aos olhos românticos das pessoas. Eu, uma exagerada natural, acho sempre que tudo que não existe mais era perfeito. Eu tenho o dom de ordenar na minha cabeça somente a seqüência de momentos incríveis que vivi, e apagar aqueles que não fazem sentido para mim. Especialmente os ruins.

Os namoros eram flores, as cidades eram bonitas, as palavras, as músicas, tudo rodopia feito redemoinho de fim de tarde na estrada de terra e forma um conjunto harmônico. Por isso, viram histórias.

O fim das coisas é uma desgraça, então romanceio tudo, fica tão bonito assim contado nas letras. Vejam:

"Dentro de uma lavanderia apertada e gelada, sentei num banco de madeira improvisado, para ouvir suas últimas palavras. Só me lembro que foram estúpidas, sem muita coerência, e que não se organizavam dentro de mim. Eu só ouvia uma coisa: fim, fim, fim."

Agora, sem romanceios. Decreto hoje que ex-namorados, ex-amores, ex-cidades serão categorias inexistentes. Eu não sou ex de nada, de ninguém, eu sou inteira, inteiramente minha, dona da minha história, do que me tornei, do que fiz e do que sou.

Inspiração

Existem pessoas que vivem no passado. Geralmente são delicadas e têm gestos lentos. Podem ser um pouco melancólicas e apegadas, guardam objetos, cartas de amor e memórias. São pessoas mais introspectivas, gostam de fotografias e genealogias. Compram livros em sebos e fuçam as dedicatórias. Não gostam de gastar dinheiro nenhum. Falam devagar, olham nos seus olhos mas estão é pensando no horizonte logo atrás.

Outras pessoas vivem no futuro: são ansiosas. Falam e gesticulam rapidamente, têm sempre mais que uma tarefa sendo realizada ao mesmo tempo. Falam ao telefone, digitam, comem, fumam, tudo junto. Fazem perguntas demais e conjecturam demais. Nos relacionamentos, terminam antes deles acabarem, por precaução. Têm os olhos rápidos que não se fixam nos seus, são intensas e indecisas. Gastam dinheiro demais.

A pessoa que quero ser é aquela que pensa mais no momento exato em que vive, do que em qualquer outro. Eu viveria agora sabendo que escrever é o maior barato, que este beijo é bom e isso basta, que domingo à tarde é bonito e frio. Não me lembrarei de mágoas, não temerei o futuro, não sofrerei por antecipação. Gastarei o dinheiro que tenho. Serei calma e doce, dormirei tranquila, prestarei atenção na água que bebo, no ar que respiro e no amor que faço.

Cada momento será digno de histórias que não contarei, pois estarei muito ocupada: vivendo.

Explicações



Eu já estava devendo textos e explicações a muita gente.

Todos sabem que tem algumas coisas que eu adoro. Gente, em primeiro lugar, e todas as relações que mantemos e criamos. Livros, coisas de ler, gente que lê, em segundo. E cidades novas, em terceiro.

Tenho o mesmo interesse por um cara que sentou do meu lado no ônibus, outro que encontrei em blogs pela internet, uma família que adotou uma menina de 15 anos depois de esperar por 12 anos, meus bisavós que nunca conheci, um escritor europeu dos anos 70, uma criança chutando lata na minha frente. Eu gosto é de gente.

E não tem coisa melhor para deixar este meu gostar à flor da pele, do que começar coisas tão novas em outra cidade.

Olhando assim de longe, dá uma certa impressão de instabilidade esta minha inquietude. Mas eu adoro a idéia de um amigo, tentando explicar aos outros que eu era assim mesmo: sou é apaixonada. E eu me apaixono pelas idéias, lugares e pessoas com enorme curiosidade e vontade sincera de conhecê-las. E posso me apaixonar diariamente por tudo isso, de novo. Sempre mantive relacionamentos longos, li os mesmos livros várias vezes, tive os amigos de infância no mesmo lugar. E tive dezenas de outros a cada passo que dei.

Eu morei em Sorocaba muitos anos, mas sempre avisei em casa que me mudaria para a faculdade. Nunca prestei provas aqui, só para garantir que teria a experiência de me começar em outro lugar. Fiquei em Campinas quatro anos. Cansada da mesma vida, me mudei pro Canadá. Porém, antes, tentei ir pra Argentina e Portugal - e só não fui porque não me aceitaram! Também já tentei ir pra Alemanha. No Canadá, morei em 3 casas e 2 cidades.

Voltando ao Brasil, em Sorocaba por alguns meses, ensaiando para ir embora. Fui apra Campinas somente para pular para São Paulo, graças. Sinto uma enorme alegria de me ver sozinha no mundo, começando de novo.

Veja bem, não sou uma pessoa solitária. Mas ficar sozinha é decidir se arriscar e guiar o próprio destino, ou deixar que ele te guie lentamente.

Eu adorava a capital, porque a novidade parecia infinita. Um dia, segui meu coração e me separei da paulicéia, o corpo querendo respirar ar puro e recomeçar. Mal pisei aqui, e já estou de partida novamente, desta vez para São José dos Campos. Vou novamente trabalhar com gente, muita gente, todos os dias, gente que quer voar desta vez.

Eu respeito o que me faz feliz. Lá vou eu de novo, nesta incrível experiência de saber quem se é.

Dois rios




Sorocaba, abril de 2008.


Em mais uma noite quente, abri a janela pra sentir o vento entrar. Sentada na frente de um computador, lia à toa e conversava com um amigo. Moro num quarto pequeno, então olhando pra direita vejo minhas estantes entulhadas de livros deitados, de pé, empilhados, separados, virgens de leitura, escondidos, lidos, relidos, devorados. Enquanto falava com este amigo, olhei para o lado e vi meu livro fundamental. Explico.

Livro fundamental é aquela brochura que durante o período de nossa formação (que talvez dure a vida inteira), adquire uma importância tão gigantesca, que nos pegamos de amor físico-intelectual por ele. Clarice Lispector diz que existe um defeito que nos sustenta, mas eu também acho que existem livros que nos põe de pé.

O meu eu descobri lá pelos dezesseis anos. Ganhei por acaso, e em mais um dia entediante de aulas de física, enfiei o volume novo na mochila. A Insustentável Leveza do Ser, de um autor que eu nem sabia de onde era, Milan Kundera. Eu estranhei o começo falando de Nietzchie, do eterno retorno, das confusões de Parmênides. Uma professora me viu com ele nas mãos, e me aconselhou a esperar crescer para entender.

Eu não acredito que nos tornamos o que lemos, mas que temos em nós algo incipiente e mal compreendido, um turbilhão de sentires bons e ruins, que às vezes por uma coincidência bonita já foi imaginado por outra pessoa. Kundera, este senhor tcheco radicado na França, me entendia sem nunca termos sido apresentados.

Eu carreguei o volume azul de letras douradas comigo para todas as cidades que morei, todas as viagens longas que fiz, as escolas. Eu falei do livro e de seu personagens para todas as pessoas para as quais eu queria mostrar quem eu realmente era. Eu aconselhava a leitura aos namorados, para que me entendessem. Nunca nenhum terminou a obra; sempre se diziam temerosos.

Ora compreendia Tereza, ora me compadecia de Sabina. Tomas, tão massacrado, para mim era um homem terno, confuso e perfeitamente perdoável. Até mesmo Frank na sua simplicidade me deixou encantada uma época. Li Kundera mil vezes. Li todos os seus livros, algumas vezes. Pesquisei sobre ele. Li seus ensaios.

Eu tinha uma coisa com este livro tão absurda, que nunca o emprestei para ninguém. Se alguém o leu, foi em minhas mãos.

Há algumas semanas, ao olhar meu amigo do outro lado da tela a partir da minha cadeira de computador desconfortável, tive a sensação que o romance e ele eram muito parecidos. Ambos eram livros fundamentais na minha vida.

Peguei o volume nas mãos, estava gasto. Quase não se lia o nome em letras douradas. Grifos de todo tipo, comentários percorrendo as páginas cujas palavras decorei sujavam as bordas. Ri. Olhei pela última vez. Ele já não me pertencia.

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Rio de Janeiro, abril de 2008.

Esgotado por ter acabado de carregar partes de um armário até seu apartamento, ouviu a campanhia que lhe provocou preguiça. Imaginou ter esquecido algum pedaço do armário no meio do caminho. Abriu a porta e de fato o zelador trazia algo consigo. Era um envelope dos correios. Estranhou e duvidou que a correspondência seria para ele, afinal, mudara há menos de duas semanas, e não lembrava de ter passado o endereço a alguém e nem de ter feito nenhuma compra virtual.

Era um livro, soube antes de abrir. Ah sim... agora já podia adivinhar. Um livro, isso o fez lembrar da promessa de sua amiga em mandar um presente especial (ou uma bobagem, como ela havia dito, apesar de ele saber que deveria ser algo especial).

Não era muito fácil ler o título, daqueles escritos em dourado, mas cujo tempo o transformavam em registro rupestres. Foi lendo simultaneamente o título do livro e as diversas marcações feitas a lápis. Isso o impediu de achar que era um livro comprado para ele. Não era o caso. Porque não era de um livro exatamente que se tratava o presente. Era de algo que habita o espaço entre o livro e a leitura. Não a leitura abstrata, mas a leitura de alguém.

Folheou o livro para confirmar. De fato, era o livro da leitura que tinha em mente. Se os autores têm seus bildungsroman, os romances de formação, os leitores também os têm. Ele havia ganhado um. Não pode refletir muito sobre isso, pois havia perdido muito tempo subindo os pedaços de armário, e já estava atrasado para a palestra que deveria ir.

Já era noite, e já estava no apartamento há algum tempo, quando acendeu um cigarro, novo hábito que buscou para garantir um período de ócio. Colocou para tocar o vinil à espera. Estava pronto, assim, para voltar a atenção ao seu presente. Folheou com mais calma. Olhou novamente algumas anotações no livro. E um sentimento veio que o obrigou a afirmar para si mesmo que não era um livro dado, mas emprestado. Sentiu-se aliviado, mas por pouco tempo. Claramente não se tratava de um empréstimo. Não via então uma solução para essa sensação estranha de receber um pedaço de alguém. Era como ele o tivesse roubado. Temeu ter roubado a própria lembrança, a própria leitura de sua amiga. Solenemente, em respeito à memória da leitura, começou a ler.

Flores que brotam do cimento




Eu sinto uma certa pena daqueles que, por descaso ou falta de sorte, não conhecem a vida através da arte. Esta sensação não parte de um certo elitismo de gosto, proveniente da arte como distinção social. Ela vem da certeza de que, como diz Drummond, a arte é um dos grandes consolos da vida diante da precariedade de nossa condição.

Eu nunca fui muito exposta à outra arte que não a literatura até a adolescência. Uma pena. Vejo estas famílias onde você já nasce musical, a mãe cozinhando no fogão e cantando hinos alto pelos corredores, o pai com aquela vitrola velha empoeirada e os álbuns espalhados pela sala, as crianças ganhando violõezinhos aos quatro anos. A família forma uma banda de brincadeira, sempre tem um pandeiro em algum canto da casa - para as festas. Se assiste feliz às primeiras e graciosas incursões dos pequenos aos lás e si bemóis.

Em contato com a arte, se aprende a ver a vida com a cor dos livros, o som das notas, o cheiro dos sebos, o barulho da agulha riscando o vinil. Uma manhã não é mais somente uma manhã, mas um belo Monet. Uma festa no quintal é um samba do Baden. Um amor não correspondido é a angústia graciliana, uma viagem pra Minas é a estrada de ferro do Milton.

Tem um autor tcheco que diz que a literatura e a música são universais porque expressam possibilidade humanas. Elas são obviamente também frutos de seu tempo, mas esta universalidade existe e a podemos sentir lendo, ouvindo, admirando arte feita em qualquer época, aqui e agora.

Não quero terminar um bom livro, quero tocar cada palavra com meus dedos e quero sentir uma a uma tornando-se parte de mim. Quero ouvir o Baden tocando até amanhã cedo, a mesma música se misturando com a chuva e depois com o sol, com a manhã e a tarde descendo e cortando tudo, como este violão me parte em mil, mil vezes seguidas, mil vezes tocadas estas mesmas cordas. Quero ouvi-lo até que eu não saiba mais o que é que ele tocou e o que foi que eu vivi.

Pobre daquele que não consegue enxergar a vida através da arte, e que não entende o papel dos artistas. Eles são nossa salvação diante do cimento da vida.


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Ao som do álbum De Baden para Vinicius, de 1981. Mais especificamente, "Se todos fossem iguais a você".

A foto é da artista Dayene Mari. Vai lá.

Capítulos finais

Capítulo I

Não deu tempo de fechar a casa. A moça saiu tropeçando escada abaixo, rua abaixo, ladeira abaixo. O papel nas mãos, sem dobrar. Entrou em um prédio enorme e, de sala em sala, enfiava a cabeça lá dentro.

- Desculpe, professor.

Deu sorte. Na terceira ou quarta porta o encontrou. O rapaz era calmo demais para se assustar. Saiu lentamente da sala. A garota atirou o papel no chão e sentou num banco. Não olhava pra ele.

O garoto recolheu o papel suado, e leu andando devagar. Linha por linha, precisava saber o tamanho do estrago. Seu texto com nome de mulher do Jobim tinha trazido sua garota até ali. Levantou a menina pela mão.

- Eu vou te levar pra um lugar que eu adoro.

Eles subiram montanha acima sem trocar palavra. As pessoas em cadeirinhas nas ruas olhavam o casal de mãos dadas, a universidade ia ficando para trás.

Sentaram em cima de um poço velho, num lugar tão alto que quase era possível ver as cinco torres das igrejas da cidade. Eles deitaram no cimento frio e ficaram um tempo olhando pra cima.

- Acabou, né.
- É, acabou.
- Tudo acabou.
- Te amo.
- Também.

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Capítulo II

- Oi.
- Oi, e aí?
- Beleza, e você?
- Também.
- E o trampo?
- Tranquilo.
- Teve um bom dia?
- Normal. Escuta, espera.
- Que foi?
- Um minuto.
- Tá fumando?
- Acendendo.
- Devia fazer coisa melhor com a boca.
- Claro.
- Fala. Que foi?
- Nada. Escuta. Queria te falar uma coisa.
- Fala. Tô na correria aqui. Tenho uns minutos.
- Eu não te amo mais.
- Oi?
- É isso, não te amo.
- Claro. Olha, quando eu chegar em casa, a gente conversa. Que papo louco é esse?
- Sinto muito. Tenho que ir.
- Ir aonde?
- Embora.

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Capítulo III

A menina ia embora, eu já sabia faz tempo. Mas então que fosse em grande estilo. Preparei uma festa, chamei as pessoas, arrumei bebida. A casa era pra festa, o quarto era só pra gente. Uma hora, a gente ia ficar sozinho. Festa à fantasia. Enrolei uns panos na cabeça, meio sem jeito. Ela chegou vestida dela mesma.

Dançamos, bebemos, fumamos. Fizemos guerra de neve lá fora. O pessoal foi minguando. Deitei na cama, ela ainda organizando a casa. Adormeci. Senti quando ela veio pra cama, e dormiu também.

No dia seguinte, acordei cedo. Último dia dela no país. Fui fazer nosso café com mapel syrup, como ela gostava. Encontrei a louça lavada e um bilhete na mesa limpinha: À bientôut, mon poil.

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Fantasias de amor e relacionamento


Eu falava de amor num sábado à noite, e chegamos de alguma forma ao filósofo e ex-candidato à presidência da Eslovênia, Slavoj Zizek. Segundo meu amigo, este autor me ajudaria muito a compreender Lacan e sua visão sobre o relacionamento.

E por que chegamos a Lacan? Porque eu disse a ele que sentia muita falta de me envolver mais com as pessoas, ou seja, de amá-las, de me relacionar de forma mais profunda com alguém. Ele riu, dizendo que desejar amar alguém era impossível, já que o amor por um outro está totalmente fora do meu controle e desejo.

Isso porque o que nos atrai vertiginosamente em direção a alguém é justamente algo que não consigo compreender, é o mistério e desconhecimento abissal do Outro.

Então seria algo no Outro que não compreendo que me atrai em sua direção? Falando de Lacan, Zizet explica que o Outro não é meu espelho, minha cara metade, um igual a mim; o Outro é um mistério sem solução.

O amor ao qual estou me referindo é como chamamos o desejo irrefreável de estar próximo, de consumir o outro , misturar-mo-nos com ele, ser parte dele. É o mito da cara metade perdida pelo mundo, é o desejo imenso de penetrar o outro, de compreendê-lo profundamente.

Nosso desejo de amor é o desejo de sermos o próprio Outro para, nos fundindo à ele, nos sentirmos amparados ou preenchidos em nosso vazio de existência. Sendo este vazio inerente à estrutura humana, como lidamos então com a sensação de abismo entre nós e o Outro?

Segundo Zizet, no texto que li, a fantasia teria o papel de nos aliviar diante da violência do Real, que eu não posso suportar. A fantasia seria uma fórmula que usamos para mediar nosso encontro violento com o desconhecimento que temos do Outro. A pessoa que amo não é uma pessoa em si para mim: ela é a visão dos meus desejos. Minha história com alguém é na verdade a história que eu mesma inventar.

A pergunta que nos fazemos para entender quais são nossas fantasias sobre o Outro é "O que eu quero?". E eis uma resposta possível: quero um relacionamento com uma pessoa bem educada, suave, que me respeite, com a qual eu consiga conversar, e que não dê tanto valor ao dinheiro, que goste de arte, que trabalhe regularmente, que tenha família e que não tenha filhos.

E assim, achando que sabemos o que queremos, não percebemos que o que queremos reflete na verdade desejos que não são meus. Meus desejos são aquilo que esperam de mim, são os papéis que são esperados que eu desempenhe.

E, realizando aquilo que acho que desejo, me torno enfim objeto de amor de todos que quero bem (pais, amigos, pessoas importantes) e que criaram papéis para eu desempenhar. Minhas fantasias servem para mediar meu encontro com o Outro, mas elas também dizem o que sou para os outros.

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Complicou? Desculpe, é sábado à noite, eu sei.

Chega de escolas


Quando eu tinha uns 15 anos, tive um ótimo professor-ator, muito adorado pelos alunos. Algumas semanas depois do início do ano letivo, tomei uma bronca por não estar com meu caderno na mesa, copiando os resumos que ele passava na lousa em todas as aulas.

- Menina, cadê teu caderno?
- Ué, professor, eu não tenho.
- Como não?
- Ué, nunca tive. Eu sempre trouxe só o livro.
- E por que não está copiando a matéria?
- Porque este é o seu resumo, não o meu.
- E onde está o seu?
- Está na minha cabeça.

O professor não entendeu muito bem o que eu estava falando, e fui passear na diretoria.

O que quero mostrar com esta história é que eu sempre pensei que se eu quisesse saber alguma coisa, podia ler. Podia pesquisar, não precisava de alguém mastigando e me dizendo o que prestar atenção, o que reter. Os resumos dele eram sua opinião sobre o que ele julgava importante. Para mim, seria bem legal ler sobre a França de 1700, sem problemas. Mas eu podia querer entender por que o salto alto parou de ser usado por um tempo depois da Revolução Francesa. Eu devia decidir o que queria aprender. Saber, por exemplo, por que diabos eu estava estudando história francesa e não chinesa ou árabe.

Hoje, ao desistir da segunda pós-graduação em dois meses, decidi que eu não vou me enfiar em nenhuma escola pelos próximos mil anos. Explico meus motivos, verão que são razoáveis.

Eu vivo em um mundo onde a informação está muito disponível. Quando leio sobre a Dilma e o dossiê na Folha, logo corro nos blogs jornalísticos que vão desmantelar o que o jornal afirmou. Quando leio um artigo positivo sobre Hugo Chávez, em cinco minutos descubro dez sites de movimentos anti-chavistas, e comparo tudo. Quando quero saber quando e como surgiu a parada gay no mundo, três cliques. O cara que estou saindo namora e está sacaneando a garota comigo? Orkut. Onde vai ter forró bom hoje? Internet. I just Google it.

Faço parte de várias redes, desde blogs, até comunidades virtuais de todo tipo, listas, fóruns, orkut. Não sabia usar uma função do Excel e fui perguntar, via MSN, para meu amigo que trabalha num laboratório em Pirassununga, a 300 km de mim. Resolveu meu problema muito mais rápido que um monótono e longo curso de informática dentro de uma sala quente.

Cheguei ao ponto que eu queria: nós frequentamos a escola por ainda não saber o que fazer direito. É mais uma questão de comodismo, que falta de opção.

Parece mais fácil sentar numa sala qualquer, com 35 pessoas com sono, ao invés de buscar informação, pesquisar, descobrir por si só, entrar em redes e conhecer pessoas. Na verdade, é muito mais difícil. Continuamos repetindo os mesmo hábitos de 100 anos atrás, e isso simplesmente não é possível. Precisamos mudar.

Eu quero voltar a estudar, mas não preciso de um ambiente formal para isso. O mundo está cheio de livros, teses, artigos, revistas, músicas, seminários, vídeos...eu posso perfeitamente trabalhar com tudo isso, sem sentar sábado cedo em uma sala e ouvir um senhor ler slides de power point enquanto tentamos não dormir. O pior é que ele é competentíssimo em sua área, e nos faria um imenso favor se sentasse para escrever mais livros, e nós o leríamos no parque no fim de semana.

Aliás, estou de volta ao orkut. A melhor comunidade que encontrei: SAIA DO ORKUT E VÁ LER UM LIVRO. Mas volte aqui para ler o blog de vez em quando.

Um samba tristinho

Queria a tranquilidade de ficar parada bem quietinha e não levantar, nem o tom da minha voz, nem o ritmo do meu coração.

Queria acordar cedinho com o frio da janela entreaberta, cantar baixinho, escovar os dentes sentada no tapete do chão. Queria adquirir um movimento delicado ao mexer as mãos e os olhos.

Queria saber tocar o violão encostado na parede e criar harmonias próprias, saber dedilhar lentamente com a mão direita.

Não sei se foi Deus, se foi o acaso, os livros que li ou as pessoas que amei, mas eu sôo como um trompete inquieto. Se eu fosse um som, seria um free jazz, me disseram uma vez.

Queria ser uma bossa nova bem calminha, queria ser um samba tristinho, ter uma voz delicada, soar como cordas novinhas de violão batendo nas unhas. A respiração seria um soprinho de flauta, e me cantariam para fazer crianças dormirem.

Música, música, música


Com estes sites dá pra ser uma pessoa feliz.

Seleção de bons blogs onde se baixa ótima música brasileira:


Quer um site para procurar qualquer álbum de música e baixar rapidinho?


Um blog de bom gosto assustador:


E a lista fantástica, 1001 discos para se ouvir antes de morrer, organizado por décadas:

PS: Este último blog organiza os álbuns desta lista para você baixar...é inacreditável!

Sobre a solidão das portas de apartamento

Este fim de semana aconteceu algo bem esquisito comigo e com minha família. Um bandido maluco ligou para o meu pai e conseguiu convencê-lo de que eu estava em seu poder. Exigiu resgate e tudo (curiosos: eu valho somente 5 mil reais). Só que eu, bem sossegada, estava no cinema em SP. E com o celular desligado por 2 horas.

Bem, vocês podem imaginar meu pai na delegacia anti-sequestro, minha casa em Sorocaba cheia de gente, dez mil ligações para meu celular, meu irmão ligando para qualquer ser humano que já me conheceu para saber do meu paradeiro, meu ex-namorado tendo que ir na minha casa falar com o porteiro... enfim, uma baita confusão e um susto enorme.

Depois desta loucura que tomou conta da minha família, parei para pensar o quão absurda é a vida que levamos. A pessoa que tinha as melhores informações sobre mim era o porteiro do meu prédio, que eu sequer sei o nome.

Ele sabia o nome da rua onde eu morava, e o número do meu apartamento. Coisa que minha família não sabia, e duvido que algum amigo saiba. Faz uma semana que meu irmão veio pela primeira vez na casa que eu moro há dois anos. Ele olhou no GPS do carro dele o nome da minha rua para avisar a polícia. Eles ligaram para pessoas que mal me vêem hoje em dia (haja saudades...). Os amigos com quem eu convivo hoje, eles nem sabem quem são. Ah, o porteiro sabia e os procurou.

Desde que saí do interior, ou da minha cidade que considero o lar onde fui criada e onde me tornei quem sou, eu não tenho mais laços duradouros com ninguém. Ninguém sabe da minha vida, eu nunca vi quem são meus vizinhos direito, e não tenho mais amigos de infância quando bastava eu cruzar a rua e estaria amparada. Não tem aquelas velhinhas que te viram nascer, que sabem de você e de sua família, que estavam ao seu lado quando a sua mãe descobriu que estava com uma doença ruim. Não tem grandes amigos que te amparam em toda situação boa e ruim, que simplesmente assistiram televisão à toa com você, ou andaram pelo bairro para ficar com você e fazer nada enquanto crescíamos. Não tem vizinhos de frente festeiros, que você abria a cortina para olhar lá fora, e já era convidado para uma ou duas cervejinhas na calçada.

Quando este episódio do sequestro aconteceu, todos estavam nervosos, e eu fiquei arrasada por ver meus pais chorando no telefone. Mas, mais que isso, fiquei imensamente triste por estar aqui, longe da minha história, construindo um caminho que é bom e é só meu, mas é um caminho solitário. Meus pais tinham 10 amigos na sala, os consolando. E eu sentei no chão e conversei com o porteiro.

Ontem eu fui ao shopping sozinha, entrei no cinema, e não assisti o filme até o final. Depois da confusão, à noite, fui ao teatro sozinha, e também não vi o fim da peça. Hoje, fui a um parque lindo correr sozinha, e fiz um almoço lindo para mim mesma, e estudei à tarde sozinha. No fim do dia, vim pro centro de SP, pra Augusta, lugar de toda pessoa que, como eu, está sozinha aqui, e pode fingir que é cool lendo um livro pequeno, em uma cafeteria qualquer.

Anedotas sobre quem somos



Quem a gente é cabe em 8 horas diárias de trabalho? Não, claro que não. Veja bem: Madalena, contrato número 10.568, analista III, GS o caramba. Não diz muito.

Conheci um cara legal uma vez. Veja bem, não era um cara comum. Era um homem incrível. Ele cabia em todos os desejos fantasiosos das pseudo-metidas a intelectual como eu: olhar seguro, sorriso largo, forte, moreno de sol, o erre mais puxado do mundo pra dizendo amorrrrrr, vem cá. Aquela morenitude perfeitamente encaixada em quilômetros de 1,90m de pele. Poucas palavras. No meio da conversa, um calor absurdo, braços tão fortes meus deus... O que você faz para ter os braços assim? Ué, amorrr, eu colho laranja.

Horas depois, ele me contou que uma garota certa vez perguntou a mesma coisa (quantas terão sido?), e ao dizer que trabalhava no pesado assim, a menina simplesmente me soltou uma besteira infernal: Ah, claro. Eu tô falando sério. Tô perguntando no que você trabalha. Ele largou a moça na festa, graças o rapaz tinha muita justeza de saber quem era. Ele não era um colhedor de laranjas, era um rapaz que dizia amorrrr.

Eu sempre me perguntei o que me define como pessoa. Onde nasci? O que estudei? O que li? O que fiz?
Sinceramente, tenho dúvidas sobre isso. Tenho vontade dizer que gosto das imagens do São Francisco, e também de cachorros boxer. Que sou do interior, mas gosto muito dos prédios altos da Avenida Paulista. Que certa vez dancei catira no palco e fui ver estrelas no pasto. Quando tinha 8 anos escrevi para Lucília Junqueira perguntando o que ela achava das histórias que eu queria escrever. Começo 10 livros e levo um ano para acabar todos.

Eu suspiro rápido, pensando em quem eu sou, enquanto repito decorado a todos que me perguntam diariamente sobre minha vida: sou socióloga, moro sozinha em SP há dois anos, estudei Direitos Humanos e Gênero...blá blá blá...

Na faculdade, vivi tudo menos sociologia. Pra SP, vim por causa de um homem e de um sentido. E nas aulas de Gênero, bom mesmo era quando elas acabavam, e eu e minha amiga Erica íamos para as ruas geladas de Montreal ver os prédios e fumar cigarros caros.

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O Castro famoso não me interessa agora, mas sim um outro, que leio regularmente e me inspirou a falar sobre a prisão de ser quem querem que sejamos. Alex, me permita, por gentileza, falar das tuas letras.

Eu não sei como cheguei ao site dele, e nem entendo direito esta mania estranha dele por pés. Mas entendo uma coisa: ele teve uma sacada bem legal ao começar a escrever sobre "as prisões".

Dá raiva ler o cara. Ele cospe as palavras na tela, e tem bom humor afinal. Ele não tem muitos pudores em falar a merda que quiser, enquanto eu fico preocupada de ser quem eu sou na frente dos maiores amigos, quiçá de pais, parentes, colegas.
* Arte digital das laranjas: João Werner.

Um copo a mais de café - para a estrada


Depois de uns dois telefonemas rápidos, eu sabia que o rapaz estaria no local combinado, quinze minutos antes. Era o tempo dele se familizar com os sofás, os garçons e as revistas nas prateleiras. Iria pedir uma água, enquanto lia algum livro de orelhas gastas. E iria me receber com o mesmo sorriso nos olhos de anos atrás.

Eu temi não saber o que dizer, ou não me sentir mais tão feliz ao seu lado como sempre me senti. Mas todo o meu medo se dissipou ao contemplar em cima de uma cadeira a mesma blusa de lã amarela e gasta que tantas vezes eu já tinha abraçado. Tudo estava exatamente no seu lugar.

E pude conversar por horas, e saber as novidades, e rir, e brincar, saber de coisas tristes e outras bonitas, falar de livros e coisas sem importância, e olhar no relógio e ver o tempo correndo estupidamente rápido. Os encontros são desculpas bonitas para deixar o amor correr fluido e fazer seu papel simples.

A conta já estava na mesa, e saímos. São Paulo tinha aquele brilho amarelado da chuva por todos os lugares, os carros e ruas brilhando, a avenida Paulista amarelamente triste, com jeito de adeuses. Lá íamos nós mais uma vez nos despedir sem dia para voltar.

Meus olhos ficaram cinzas e molhados como a cidade, quando enfim respirei fundo e entrei num ônibus barulhento, deixando você e minhas melhores lembranças de amor e amizade para trás.

O inverno é uma foto na parede


Que esquisito ter saudades do inverno em pleno verão sorocabano. Ontem passei o dia pensando na neve, uma vontade de afundar os pés na lama gelada, em ver as pessoas de casacos pesados andando rápido nas ruas. O inverno que estou falando é o que conheci no Quebéc, o do frio paradoxalmente desolador, cinza, violento, e ao mesmo tempo delicado, forte, colorido. É dele que eu estava com saudades.

Eu me lembro do primeiro dia que senti a temperatura a menos de dez graus negativos. Eu só conseguia pensar: este é um país branco. Com o tempo passei a achar tudo mais colorido, andando pelas ruas velhas da cidade, vendo gente falando em todas as línguas, tendo amigos com sotaques difíceis e histórias incríveis.

Lembro de um cara da Espanha, chamava-se José (falado com "r" no lugar do "j"), que eu conheci em uma aula de Política. Ele gostava de inventar mentiras, e isso me divertia. Em um mês, José tinha uma namorada japonesa, terminou, saiu de casa sem uma roupa na mochila, passou duas noites em um abrigo para homeless, fez as pazes com o pai e recuperou o laptop roubado no metrô. Tudo invenção. E ele falava 5 línguas (isso eu vi, de perto), e me levava no Mc Donalds toda quarta-feira para almoçar. Sem contar que ele estava bem perto do atentado terrorista que aconteceu em Madrid, quando alguma coisa do metrô explodiu e vários prédios se estilhaçaram pelos arredores. Ele mostrava as cicatrizes dos vidros, e contava que viu pessoas sem pedaços dos corpos. Ele contava com gosto suas mentiras.

Tive outro amigo, um completo nerd cujo nome me esqueci, de olhos imensamente azuis e uma gagueira trágica. Este cara mantinha dois computadores em casa, um para filtrar os hackers, e outro para visitantes como eu. Fora o laptop que carregava consigo todo o tempo. O filtro computacional mágico ele deixava ligado, mas dentro do seu armário. Tinha muito medo que alguém descobrisse seus segredos. Depois de algum tempo, fui saber que as tais coisas que ninguém podia saber eram mais simples: tinha sido um menino muito rejeitado na adolescência, que chegou a carregar uma arma para a escola querendo matar os colegas, mas desistiu no meio do caminho. Era homossexual e não sabia. Fui a primeira pessoa para quem ele contou isso na vida, sentados num banco feio, num parque meio abandonado, congelando de frio.

Dos meus amigos mais estranhos, tem um com quem falo até hoje quase todos os dias. O conheci quando dançava música indiana em uma feira com seus amigos, e fiquei fotografando a dança mais enérgica e bonita que conheci. Seu nome já estava ocidentalizado, Rikki, mas eu preferia o nome original: Randeep. Este meu amigo foi a vergonha das patricinhas brasileiras com quem eu andei por um tempo. A gente ia nas festas e eu já ficava radiante de vê-lo com todos os seus amigos indianos mal vestidos, engraçados, felizes de tanto dançar. Minhas colegas suspiravam na vergonha. Então larguei as meninas pra trás e passei a me divertir com seu jeito de conquistador barato, sua tentativa de amenizar o sotaque forte, a mania por todo tipo de cremes, por organização na casa, os ternos brancos que ele usava e meu copo de vodcran sempre cheio (uma bebida vermelha a base de suco de cranberries e vodka).

Ainda bem, porque foi uma das melhores experiências da minha vida conhecer mais sobre aquele rapaz. Nem estou falando do fato de ter acabado saindo com ele literalmente algumas vezes, mas das conversas estranhas que tivemos, dos lugares mais estranhos ainda que ele me levou, e da cena impagável de eu vestida com um lenço rosa choque todo brilhante na cabeça, enquanto entrava descalça para conhecer seu templo e comer com as mãos sua comida sagrada.

Acho que toda a saudade que eu sinto, personifico no inverno. Todas as pessoas que minha liberdade de ser estrangeira num lugar novo me permitiram conhecer e descobrir estão marcadas em mim, como anjos na neve.

Lonely Hearts Club Band

"Do you need anybody? I just need someone to love. Could it be anybody? I´m gonna try a little help from my friends. I´ll get high with a little help from my friends." (With A Little Help From My Friends, Beatles, claro)

Esta semana toda fui procurada por pessoas com um tédio enorme diante da vida. Elas estavam tentando se manter na superfície, mas a vertigem era forte. Fosse de cocaína ou amor proibido, o coração andava batendo forte. Comentei sobre isso com a pessoa mais improvável, minha mãe. E ela, bem certa: Filha, a vida está chata demais. As pessoas estão querendo esquecer que está tudo tão ruim, que não têm mais conexão entre elas, que estão tão sozinhas, que não estão se divertindo. E eu concordei. Já é complicado ficar acordado. Agora, acordado e de cara limpa, poxa, tão querendo muito.

Dizem que procuramos as pessoas certas para contar nossas histórias, e eu não sou certamente um padre. Ninguém me procura para perguntar se deve se casar, afinal, eles sabem que eu acho a monogamia uma violência (embora a deseje e a tenha quase sempre praticado, para ter a ilusão adocicada de ser mais especial e desejada que as outras). Me procuram para contar dos amores proibidos lindos que estão vivendo. Veja bem, ninguém fica me contando de traições bestas. Eu não gosto disso, acho idiotice. Porém, amar duas pessoas e ainda a si mesmo é bem normal, e cria histórias tão bonitas! Ouço, paciente, a boniteza do amor perigoso.

A nossa vida anda mesmo chata. Talvez tenha sempre sido assim, só que não temos mais paciência como outras gerações talvez tiveram. A inquietude e a rapidez da vida que levamos nos deixa sempre ligados, a respiração apressada. A gente não consegue ficar quieto, sem ficar letárgico. Não temos meios-termos: precisamos consumir a vida, nos consumir, consumir os outros, a música, a dança, o pó, precisamos consumir um carro novo, outro computador, mais um livro, mais um blog. A gente consome, fala, beija, come, assiste, anda, viaja, trepa, toca: tudo sem tesão suficiente. So...I´ll get high?

Deixa eu te dizer? Não é culpa sua a vida ser tão chata. Olha em volta: todos se sentem assim.

Agora, podemos começar a parar de fingir.

* com participação especial do meu querido amigo bêbado da madrugada, com sugestão do tema.

Cansaço

Sempre gostei de dizer que meus textos não são de verdade. Eu invento, aumento, apaixono, conto, esqueço. Claro que muitas das coisas que vejo e vivo acabam vindo para aqui, como influência, direção, caminho, tema. Mas nunca tive tanta vontade falar a verdade como agora.

É que eu cansei. Simplesmente, meus braços pendem abandonados ao lado do corpo, que se entorta. Eu caio pra direita, e tem gente que cai pra frente - muito pior. Meus olhos estão tão cansados da falta de óculos. A coluna insiste, direita, menina, pra direita. E eu, que sempre desentorto, reúno forças para encolher a barriga e erguer os ombros, hoje deixei que o corpo escolhesse o que fazer. E ele me disse, claramente: vá para casa. Descanse. Faça silêncio. E eu obedeci.

Tô com vontade demais de falar a verdade, e ela só cabe num quarto pequeno como este que estou. Há tanta mentira e tão pouca disposição para se falar o que se sente. E eu sinto, muito, sinto muito realmente. Por não ter me divertido hoje, por não saber mais fingir tanto, por não conseguir suportar acordes disformes. Sinto muito por não conseguir te abraçar direito, por olhar mais demorado nos teus olhos do que eu deveria, por te procurar à toa.

Tudo bem. De noite a gente mente mesmo. Mente ser feliz, gostar de barulho alto, de alguns tipos de alucinógenos, mente querer beijar alguém estranho, mente o número do telefone, mente que está se divertindo. Até aí eu entendo. Mas eu creio que estou doente, pois agora eu também ando cansada de mentir na luz do dia. Vê se pode!

Tô com vontade dizer que queria dormir mais uma horinha todo dia, que gosto de almoçar sozinha, que falar demais cansa, que ser sempre a dona das histórias mais malucas cansa, que sempre ter que ser feliz cansa. Vou dizer pra qualquer pessoa, para alguém num ônibus, pra um blogueiro qualquer: eu me sinto sozinha nesta cidade. E não tô falando de homem não. Eu tô falando de falar a verdade. Não tem solidão mais esquisita do que aquela que carregamos na nossa máscara diária de felicidade a todo custo.

É bem simples: tô cansada de não ter para quem falar a verdade. Eu não quero mentir. Dá pra ser?

Famiglia


Eu tenho apenas um irmão. Nossa diferença seria de apenas um ano, se não fossem tantas as outras. Temos em comum os mesmos pais, e os lugares onde moramos até meus 18 anos. Já faz oito anos que o deixei como filho único, e estou por aí, solta.

Eu não me lembro dele não existir. E da nossa infância, lembro da minha nerdice atrapalhando um pouco as brincadeiras. Eu era uma criança meio mandona, auto-suficiente e dura com ele e comigo. Lembro de brigas infinitas, minha mãe aos berros tentando nos conter, e a gente querendo se pegar de porrada. Brincadeiras de video game que eu acompanhei somente até o Mega Drive, e ele sendo sempre o que corria mais rápido, o cara boa praça e bom de bola que era sempre escolhido para jogar primeiro.

Dizem que os irmãos se constroem na oposição. Então quer dizer que muito do que sou, ou somos, é culpa um do outro. Adquirimos nossa personalidade olhando para o outro todos os dias. Então, ficamos assim: eu, séria, ele brincalhão. Eu, saí de casa cedo, ele só vai sair para casar. Eu sou socióloga; ele, engenheiro. Ele vai ser gerente aos trinta anos, eu quero ser hippie mais um pouco. Eu gosto de ler, ele queria me pagar para ler os livros e dar o resumo em voz alta mesmo. Ele quer ter conforto, eu quero viajar.

Diante de tanta coisa diferente, tem umas regras entre a gente, que eu nem sei se ele sabe que temos. A gente nunca falou do que o outro fez. Podia ser uma coisinha boba que tínhamos aprontado, ou coisa grande. A gente nunca precisou nem combinar: ninguém abria a boca, nunca. Tinha também uma coisa de generosidade, de sempre que um ou outro tinha mais dinheiro, ou tempo, ou amigos/as bonitos, cedia. Você pode me buscar agora (4 da manhã, lugar ruim?). Claro que sim. Compro dois sorvetes, um pra você, ok? Tenho um amigo perfeito para você. O cara é firmeza. As melhores lembranças que tenho da vida em comum que levávamos são essas.

Estou feliz que agora você vai se casar com uma mulher ótima que eu adoro, mas no fundo, fico triste também, porque você vai embora da nossa casa. Não importa. Família é pra sempre, como você mesmo me disse, no dia em que tatuou as iniciais minhas, da nossa mãe e nosso pai nas tuas costas, e me deixou chorando feito boba em casa.

Nariguda, não enche. Ah, magricelo, vai pro inferno.

Lista de desejos - ou como ser cara de pau com boas intenções



Eu li outro dia num site muito bom uma invenção excelente. O autor tinha, além de um site delicioso, uma lista de desejos que aparecia ao lado de seus textos. Algo assim: se você gostou daqui e de mim, me faça feliz me dando livros para eu ler. Ele está no link ali ao lado, o LLL.

Parecia meio maluco no princípio, mas resolvi fazer uma lista dessas, até mesmo para me organizar. Não sou consumista, mal compro roupas ou qualquer coisa que o valha, mas queria saber o que eu ia comprar primeiro com meu dinheiro à duras custas conquistado mensalmente.

E pensei: que objetos poderiam realmente me fazer feliz?

Então fui lá, mergulhar no submarino. Sou tão pouco acostumada à comprar que nem sabia mais direito o que querer, diante daquela fartura de letras e sons. Construí uma listinha pequena, mas com desejos antigos, sons aos quais já me acostumei de tanto ouvir - todos piratas, novidades recomendadas, e curiosidades. Uns poucos ítens, que pretendo certamente aumentar.

Pois não é que mal tinha postado a lista aqui, já ganhei três ítens? Não fazia nem 5 minutos eu acho. Logo estarão comigo o Umberto Eco, o Chico Buarque e seu Budapeste, e o som macumbeiro lindo do Otto.

Esta mágica ocorreu pelas mãos do meu irmão, que não apareceu na casa onde ele mora por quatro dias. E eu estava aqui para visitar minha família! E quando eu bronqueava com ele pelo MSN, única forma de contato ultimamente, ele viu o blog e a lista.

Bem, além dos presentes legais e dos comentários engraçados no meu blog, espero que nós tenhamos tempo para brigar pelo resto da vida. Afinal, para isso e listas de desejos servem os irmãos. Aliás, noutro post escrevo sobre a relação maluca que a gente tem. Valeu, mano. Inclusive por ter se lembrado do nome do livro que eu mais queria ler na vida, O Grande Sertão. mas calma aí, não vai comprar não, porque esse eu acabei de ler!

Bebês-tartaruga


Eu nunca fui a mais materna das mulheres. Nunca achei grávidas bonitas, ou fiquei muito empolgada com carrinhos de bebê. Na verdade, acho que tenho é muito medo de crianças. Elas estão ali, te olhando desesperadas por atenção. Te olham por baixo. Como é seu nome? Você é amiga da minha mãe? Você tem irmão? E qual o nome da sua professora?

Elas nos mostram o quanto é estúpida a conversa que travamos como adultos. Afinal, quer coisa mais importante e incrível que um chocolate de tartarugas com ovinhos dentro? E a gente ali, discutindo se o prefeito asfaltou ruas o suficiente. Mas tia, olha, a tartaruga pôs ovos. Tartarugas tem muitos bebês? Meu amor, elas têm uns 50 milhões de filhotes, mas nenhum é tão bonito quanto você.

Eu não tenho filhos. O que sei de bebês aprendi em seis meses, cuidando de três meninas. Com a mais velha (quatro longos anos) aprendi que deve ser difícil ser deixada para trás. Deve doer ser a última da fila, a de quem esperam sempre mais, a que entende melhor as brigas dos pais. Georgina era tão inteligente que nos enganava, nos punha de joelhos, me fazia brincar de Barbie por umas mil horas por semana, e ler sempre o livro mais longo de todos, para evitar a cama. Assim, sabia as histórias mais absurdas, se fingia de atriz para nós, me enlouquecia. Na minha despedida, trancou-se no quarto com os livros que eu lia para ela. Ei tristeza que deu, meu amor.

A segunda, de dois anos, era a mais feliz dos bebês. Sorria gorda dentro de seu enorme macacão de neve e se jogava de bunda na escada, nos deixando malucas de medo. Era a mais beijada e a mais querida, porque doce e suave. Acordava com pesadelos no meio da noite e gritava pela mãe, mas se eu atendia ela ficava bem feliz e dormia. A coisa mais linda que me lembro dela foi um prato de comida jogado no chão e uma risada imensa. Pura felicidade do barulho, da bagunça, do susto. E a gente ralhando com ela e se segurando pra não rir também. Emma, don´t do it again!!!! - e o bebê, com o olhar mais tranquilo do mundo - Carol, I love you.

A última tinha seus poucos meses, e era quente e mole. Em algum tempo, me reconhecia e me olhava nos olhos, me pedindo ajuda para comer, beber, se limpar, brincar, dormir. Ela precisava tanto de mim que eu não era capaz de lhe abandonar da área de meus olhos por um minuto. Depois de tantos banhos na pia, tantas febres, duzentas trocas de fraldas, muitas músicas brasileiras pra ninar, enfim Fiona sorria pra mim ao acordar.

Eu acho que foi assim que eu finalmente aceitei que, em algum lugar escondido aqui dentro, vão caber duas ou três crianças um dia.

post coletivo



tá cheio de gente em mim. quem eu fui, quem eu nunca fui, quem são por mim. hoje são por mim dois ou três amigos e vozes que gostam de ouvir perto do ouvido.

quem fui não existe nunca esteve sequer fora da minha própria memória. eu construí os personagens que quis, fui quem desejaram, quem não quiseram, quem eu joguei pra dentro, engoli, comi, pus pra fora e pra dentro fora dentro fora fora em todas as direções.

e então o vazio uma coisa meio assim em mim que nunca foi quando eu vou vou hoje amanhã dia dois lá pelas três e ai de quem não ouvir assim ao pé da letra a letra assim ao pé me lembro bem eu e mais outros uns três mais que quatro não assim não termino.

tem gente fazendo ritmo em mim, desorganizando tudo, enchendo meu saco, tomando minha vida na porra das mãos. tem gente que não se move, gente que pensa porque não vive. todas estas pessoas estão embaixo da minha pele, coordenando os movimentos de meus dedos.

e a gente fica aí querendo se encontrar.

embaixo da pele aos dedos embaixo das peles não vive que gente que pensa que move que não que move não move a gente de noite esta varanda fica de ponta cabeça com a cabeça na ponta enquanto tudo dorme, a gente acorda e escreve.

* participação especial de el perro verde

(sem voz e sem título)


Não sei se é o calor, o humor meio estranho ou esta chuva que não pára que me deixaram assim, meio melancólica-quero-ser-poeta-ou-atriz. Nunca escrevi coisa que prestasse, nem durante os anos dourados da juventude, e minha voz não aguentava três horas de palco. Então a gente bloga, pra não falar sozinha.

Eu estou com muito medo deste fim de juventude chegando. Vejo todos tendo filhos e se casando, e este modelo não está funcionando pra mim. Todas as minhas grandes amigas se casaram, têm seus bebês ou já os encomendaram. Primas, primos, todos já estão casados (há anos). Meu irmão mais novo marcou a data. Os meninos que conheci (namorados, casos, ex de alguma forma): esmagadora maioria é pai, casado, drogado, mora junto. Não ao mesmo tempo.

Eu simplesmente não tenho vontade fazer nada disso. Não há ninguém que eu queira dividir a vida, e olha que não sou assim egoísta ou anti social. Eu gosto das pessoas, mas não amo ninguém. É simples assim: faz tempo demais que não amo ninguém. Nem uma pessoinha. Nada.

Eu não sei se já cheguei naquela crise de mulher perto dos 30, mesmo porque ainda faltam 4 anos, mas alguma crise boba se instalou. Estou com uma vontade imensa de fugir de qualquer pessoa que eu não conheça encostando a mão no meu cabelo. Não quero desperdiçar minha atenção, minha boca e meus ouvidos com ninguém que eu não vá lembrar do nome amanhã. Acho que fechei para balanço. Será que é assim que voltamos a amar as pessoas?

As não-resoluções de ano bom


Coisa mais antiga essa de chamar o ano que muda no calendário de "ano bom". Mas é bem assim que ele está gravado na minha memória: ué, se é novo, se temos tantos fogos de artifício, se quase nos matamos pra chegar à praia e molhar os pés, se dá para recomeçar, então tem que ser bom.

Eu não acredito muito em recomeço, mas em algumas mudanças pequenas que fazemos todos os dias e que ao final de um ciclo podem ser contadas como algo que foi realizado. Este ano realizei uma montanha de pequenas coisas que deram um resultado gostoso.

A melhor coisa de todas é que me acostumei com esta mega cidade que vivo, e passei a tirar algum proveito dela. Aprendi a sair sozinha e a ir ao cinema à toa sem consultar a programação (afinal, os nomes de diretores não me dizem muito... mal consigo me lembrar do nome dos filmes). Eu não fiquei solitária na megalópole como imaginei que fosse ser depois de alguns anos. SP é completamente receptiva aos imigrantes, e quase todos que conheci são exatamente como eu: viajantes. Alguns estão tentando achar parada. Outros, como eu, estão se dando ainda outra chance de se saber quem é.

Primeira e única resolução: depois deste trabalho todo, já não vejo a hora de recomeçar minha viagem e partir.

"Mas o que é trair? Trair é sair da ordem. E Sabina não conhece nada mais belo
que sair da ordem e partir para o desconhecido." (M. K.)