Amor e fé



Eu acredito demais nas coisas e nas pessoas. Isso não é defeito não, é fé. Mesmo assim, não houve época que eu acreditasse mais na vida do que quando tinha dezesseis anos.

Todo dia o acordar era doce. Eu acordava sorrindo, a mãe lentamente abrindo a porta pela manhã. Eu adoro o sol das manhãs. Saía correndo da cama, tomava um leite rápido, bagunçava os cabelos. Punha uma camiseta, um chinelo de dedos e enfiava livros na mochila. Uma trilha me levava à escola, e eu ia bem devagar sentindo o cheiro de mato.

Quando as árvores rareavam, aparecia um prédio branco. Eu sempre fui a primeira a chegar, gostava de abrir todas as janelas para arejar as salas. A vida era tão boa que eu não podia esperar.

As aulas seguiam tranquilas. Sentia-me viva, desafiada. Curiosa. Nos intervalos, conversava uns minutos com as poucas meninas, e quando via já estava dentro da sala de novo, porque o meu amigo preferido, do fundo da sala, nunca saía muito. A gente ficava ouvindo música juntos, num fone bipartido. Nunca mais vi aquele apetrecho, uma maravilha tecnológica no compartilhar.

Às vezes, ele me mostrava uns livros diferentes. Poetas. Filosofia. E eu tinha prazer na sua estranheza.

Era um tempo de imensa crença. Eu acreditava no futuro, nas pessoas, nos mais velhos, na política. Eu só não acreditava demais no amor. Garota durona. Porém, foi justo ele, o amor, que pôs meu peito a explodir. Um dia olhei direito e ao ver tuas mãos longe das minhas meus olhos se encheram d´água. Doía. O rapaz veio falar comigo ao ver meus olhos crispando em sua direção. Que você tem? Por que não fala comigo? E eu pedi desculpas e saí chorando gramado abaixo. Eu já amava tanto que não cabia em mim.

Hoje falo que nunca fui muito romântica, ou tive grandes sonhos de união. Neste tempo, os sonhos tomavam meu corpo, minhas palavras, eu era só poesia. E eu vivi o maior amor possível, com toda a felicidade e dor possíveis, companheira, amiga, fiel sem pensar, porque amava. Amava acordar de manhã, ao saber que o veria.

Amava cada momento do meu dia, cada livro que eu lia, carta boba que escrevia. Eu me amava e sorria, sorria. Eu amava a vida inteira pela frente, porque eu era feita só de amor.

Esta menina de dezesseis anos mora dentro de mim, como uma possibilidade humana.

Curitiba



Sempre silenciosa em viagens, guardei minhas primeiras palavras para quando chegasse em Curitiba. E foi falando com o secador de cabelos que estreei no Paraná: Amigo, você está pendurado na parede. Incrível!

O hotel tinha muitos andares. Joguei as malas na cama e, após a breve troca de idéias com o aparelho no banheiro, desci de elevador até o hall. O ambiente dividido em algumas salas era elegante e meio vazio. Olhei em volta e vi alguns homens de negócios entediados lendo jornal. Sentei no primeiro sofá e abri o Valor Econômico. Se estivesse de óculos, poderia ter passado por um deles.

Não demorei muito na minha pose de pessoa importante, logo a amiga apareceu na porta do hotel. Vamos? Consegui o carro do meu pai. O carro em questão era um bem esportivo, cuja marca obviamente não me lembro.

Cruzamos a cidade retinha rapidamente, sem saber para onde ir. Passamos no centro. Nos bares. Tá com fome? Não. Paramos. O lugar era pequeno e fazia uns sanduíches sem muito gosto. De nossa mesa, vimos algumas pessoas interessantes descendo rumo a uma porta nos fundos. Será que lá embaixo é melhor? O garçom filósofo respondeu que sim. Certamente, a banda era boa e ficaria melhor se descêssemos. E ele acabava o serviço às oito horas.

Som bem alto, bateria certeira, guitarra honesta, e Chico Buarque tocando rock´n´roll? Estranhamente dançamos ciranda roqueira ao som dos Saltimbancos, enquanto o garçom trazia alguns copos, e não usava mais avental.

Olhos no horizonte

Hoje um senhor gordo e de chapéu me abordou no ônibus.

- Que malas são estas, menina?
- Estou indo embora, senhor.
- Como se chama?
- Carolina.
- Nome de avó italiana. Não fique triste com a partida!

Eu sempre estou de partida, e isso não significa que seja muito fácil. Ainda não me acostumei a perder tantas pessoas pelo caminho.

Ontem, dia de festa, eu olhava a minha mesa e só via gente que eu nunca mais vou ver. Gente que me ajudou a suportar a chatice de São José, os dias difíceis de chuva e 10h de empresa.

Gente como o Maurício de Blumenau, cozinheiro dos bons, que andava horas comigo conversando e afastando a solidão dos fins de tarde. Ou Paulinha, menina de cabelos pretos com cara de criança, linda, com tanta vida nos olhos e tanta delicadeza no trato. Os paranaenses: Fran, amorosíssimo, companheiro e Juliano, carinhoso, presente, ouvinte dos melhores. Van, sempre animada na mesa do bar. Eloá, amiga de fora da empresa. Minha equipe toda, tão agradável o tempo que passamos juntos.

Eu gosto de dizer isso, e digo sempre: quem levamos conosco são todos, dentro de nós.

No fim, é preciso manter os olhos no horizonte.