Chegadas



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I

Enquanto chacoalhava migalhas de pão, me peguei pensando em você. Tão do lado, tão perto, e eu pensando abstrata. Eu dobrei a toalha da mesa com atenção, ergui os olhos e olhei através de você. Vi teu rosto refletindo o brilho da televisão. Te olhei inteiro, desatenta. Costas arqueadas na tua cama de flor marrom. Você olhou pra mim, sorriu e virou-se de novo. Um olhar de cinqüenta anos - pensei. Tua calma imensa me acudiu.

É estranho o dobrar-se. Num dia estamos negando a chave da porta. Estamos trancados, achando que isso é liberdade. Noutro dia arrombam nossa porta com um grampo de cabelo e nos vemos dobrando toalhas, dobrando-se ao meio, lavando cabelos, comendo do mesmo prato, brincando na mesma terra. Contemplo, silenciosa, o origami genial que você faz de mim desde que chegou.

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II

Apesar da tarde bonita e das pessoas ao meu lado, eu estava inquieta. Eu não sabia muito bem, mas o medo da tua chegada já estava entranhado em mim. Eu andava e olhava a multidão. Talvez você viesse. Talvez você apontasse. Talvez eu não soubesse o que fazer. Talvez você chorasse ao me ver. Me odiasse pela primeira e última vez.

Nem tão distraída assim, te vi. Você, não. Não tão longe, caminhava em minha direção certeira. Meu coração paralisou meu rosto, roubando-lhe o sangue. Pensei em fugir. Tinha um minuto. Meus olhos molharam e não consegui achar o caminho fora de mim. Não houve mais tempo pra bolar soluções malucas. Você estava a dois passos de mim e parou.

Te olhei por longos dois segundos. Você não desviou os olhos. Meu estômago retorceu de medo da tua coragem. Sentando no chão sem saber se ele ainda estava ali, te olhei fundo e disse a coisa mais besta do mundo:

- Oi. Que chinelo bonito este seu.

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Obrigada!



A todos que foram a festa, obrigada!

Pelos livros arrecadados, obrigada!

Pelo som lindo!

Pela lua linda!

Por tanta gente, tanta árvore, tanta poesia, tanto amor!

Sono

Hoje debaixo daquela árvore imensa, deitada com as pernas cozinhando ao sol, mãos cobrindos os olhos, ouvi pertinho uma sequencia bonita de notas. Não abri os olhos
imediatamente: adivinhei.

Os músicos todos que me desculpem, mas trompete ainda continua sendo o instrumento mais bonito que conheço. O moço ensaiava ao sol, a partitura na estante voando, uma cara concentrada. Ao longe, uma guitarra acústica soava brasileira. E eu me ajeitei no banco, pus a mochila embaixo da cabeça, deitei e dormi um sono de anos.

Enquanto dormia, sonhava que as folhas que caiam sobre mim eram bençãos e que aquele trompete ali era a forma de deus existir e me lembrar que nada, nada tem importância maior que estar viva. E pronto.

Só por hoje, nada, nada tem qualquer importância. Eu sorrio sonhando e o trompete toca até o fim dos tempos. Acordo e faço uma lindissíma tarde de inverno nascer em mim.

Coisa antiga publicada!

Pessoal, o Some Madeleines continua de férias. Mas publicaram um texto meu no Jornalirismo.

www.jornalirismo.com.br

Abraços felizes direto de Capão Bonito!!!!

Agora é paz, amor e pé na estrada.

Carol

E fecham-se as cortinas...



Aos leitores de sempre, não se preocupem. Estarei de volta em breve.

São só uma espécie de férias, por tempo indeterminado, de minha existência fora de mim mesma. Até da virtual.

Pé no freio

Sempre odiei ir ao médico. Acho estranhíssimo jogar substâncias que minha avó não sabe dizer o nome para dentro de mim. Antes de morrer, meu avô assustado de estar em um hospital pela primeira vez em 82 anos, ainda perguntava: mas este comprimidinho aqui vai fazer o que dentro de mim? E este raio-x, estes raios vão entrar em mim?

Eu também tenho minhas dúvidas quanto a medicina. Sempre achei que, se de fato respeitasse meu corpo, fosse ativa, tomasse este sol gostoso lá fora e comesse menos, com certeza seria muito mais saudável e nunca ficaria doente.

Porém, nós testamos o limite do corpo. Somos jovens, e achamos que a juventude é eterna. Bebemos até destruir o fígado, comemos todas as carnes mais deliciosas, todos os doces mais fortes, cafés, cigarros... e queremos que tudo funcione normalmente.

Faz um mês que estou me sentindo mal. Cada hora é uma coisa. Estômago, cabeça, garganta, tosse, pulmão, dor no corpo. Eu nunca digo que estou doente, eu prefiro dizer que não estou me respeitando. Temos nosso tempo de recuperação. Temos que dormir, comer direito, fazer coisas bobas como ir ao parque e deitar no chão olhando as águas se mexerem com o vento.

Que sensação maravilhosa tive ontem ao ir embora do bar sem beber ou fumar nada, deitar na cama e dormir por 12 horas seguidas. Meu corpo agradeceu feliz.