Pequenitudes

Lendo um site ótimo, tive a idéia de escrever sobre os pequenos prazeres. Sabe estas coisas quase insignificantes que nos preenchem de ar bom quando respiramos?

* acordar com o sol, não com o relógio
* comprar pão de manhã bem cedo (ar gelado, pão quente)
* dormir fora de casa porque perdeu a hora
* ganhar um abraço de alguém que não vemos faz tempo
* voz de vó
* dançar a noite inteira sem se preocupar com ninguém
* ir ao cinema sozinha
* pegar bebê novinho no colo
* desligar a tv
* comprar livro em livraria (o cheiro é ótimo!)
* ler o livro na livraria sentada nos pufs, sem pagar
* receber email bom logo cedo
* deitar na rede da varanda
* brincar com cachorro
* dizer eu te amo
* correr no parque
* andar no centro de SP à pé
* andar ao lado do rio em Sorocaba
* ver paisagem desconhecida pela janela do ônibus
* ouvir tambores
* ouvir viola
* reunir grandes amigos pra conversar
* ler um livro perfeito
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Deixei em branco para quem tiver boas idéias.

PS: Este cara escreveu 75 prazeres!!! Vai lá, será que passamos a lista dele?

http://zenhabits.net/2007/07/75-simple-pleasures-to-brighten-your-day/

Sentença


É pecado ser feliz? Parece que sim. Tenho que reclamar de alguma coisa. A chuva, o trânsito, o trabalho, as pessoas. Se não, me sinto esquisita. Se me pego sorrindo à toa porque a água caindo é providencial e linda, estou fora do mundo. Se respondo um como vai, estou ótima, muito bem, você nem imagina o quanto, desligam o telefone. Ser feliz é pecado nestas terras.

Ando feliz pra caramba. Vendo tudo mais bonito, mais vivo, mais certo. As coisas estão fora do lugar e meu deus... como a falta de certezas pode ser uma delícia. Sou mais eu, sem ser sozinha, sendo simplesmente o que eu quiser. E eu quero ser a mais tranquila, a mais sorridente, a mais feliz das pessoas.

Meu humor está radiante, e não tem ninguém envolvido nisso. Sou eu que me namoro agora. Me levo pra passear, me agrado. Eu gosto de música, de gente, de terra e de ar fresco. E me dou um mundo de presente todos os dias.

Pés arqueados



A natureza tem uma força impressionante. Ela regenera, recupera, retoma o curso da vida das pessoas, nos reconecta com nossas verdades. Guimarães Rosa disse no seu Sertão que mais feliz era alguém que vivia perto de água. Perto de terra areia água pedra e gente, eu diria se pudesse acrescentar.

As pessoas nascem com os corpos prontos para serem moldados pela natureza. Nossos cabelos foram feitos para nos proteger, as mãos calejam pelo agarrar nos troncos, as pernas se atrofiam delicadamente para que possamos subir em pedras e correr em direção à água. As mãos formam conchas perfeitas e os pés se arqueiam para nos dar o equilíbrio que falta.

Quando corremos, a tensão que produzimos nos dá vontade sorrir. O corpo responde feliz quando acostumado desde cedo a ser natural. O ritmo do coração e da respiração também marcam compassos naturais que nos fazem músicos a todos. Fumamos as plantas que estão disponíveis e criamos o fogo que é necessário. Comemos frutas que caem. Simples. Completo.

Tudo isso existe dentro de mim como uma perfeita possibilidade humana, mesmo diante todo dia da frieza de São Paulo, suas ruas acinzentadas coloridas de pessoas cada dia mais molinhas e conformadas aos pequenos mouses em suas mãos.

Que inveja do homem natural.

Contadora de histórias


Eu nunca vivi em fazendas. Apesar de ter nascido num interior meio sertão, quente e cheio de cana, eu morei a vida toda em cidade média, sem as lendas de homens mágicos, trens fantasmas ou lavagens dos mortos. Eu nunca presenciei homens ricos chegando em charretes, andando no chão de terra amaciado antes para não lhe fazer poeira. Também nunca vi quando a folia de reis chega com seu pandeiro e seus palhaços para rezar pelos doentes dentro das casas.

Eu nunca entrei num palácio, nem brinquei em cima de trem parado enquanto meu pai foguista trabalhava. Não vi minha primeira maçã com 14 anos, e nem usei o mesmo vestido por anos para ir à escola: o único. Não matei passarinhos na mata, nem fui parar no hospital por cortar cana com meu facão e acertar minha perna.

Na minha escola a professora não era minha única referência de alguém que soubesser ler, nem me obrigava a escrever Meu presidente é o senhor General Emílio Garrastazu Médici no meu caderno todos os dias. Eu não fui a cinemas onde bandas baile tocavam, nem vi meus amigos passarem gravatas pelas janelas para outros poderem ver o show.

Eu nunca vesti bebês anjinhos para serem enterrados, nem nunca ganhei como pagamento pelo meu trabalho mensal dois quilos de açúcar. Eu também não encontrei meu primeiro livro, Os Patins de Prata, em uma lixeira, já sem a capa e o guardei como um tesouro. Também não passava dentro da usina pra ganhar torrões de açúcar dos trabalhadores, ou para espiar a primeira greve quando tudo começou a desmoronar.

Apesar de não serem minhas, estes contos todos me contornam e definem quem eu sou. A culpa de eu ter em mim tantas histórias, mágicas, trágicas, belas é dela, e acho que nem sabe.

Minha mãe é a melhor contadora de histórias que eu conheço. Viveu num lugar que nem existe mais, num tempo onde a inocência gerava uma imaginação exarcebada e tão rica que minha própria infância seria incapaz de ter em mim o mesmo efeito destas histórias.

Foi por causa dela e da sua paixão por histórias que aprendi a procurar outras, em livros, pessoas, músicas e lugares.

Quando converso com alguém, e me pego poetizando os acontecimentos, usando mágicas descrições de coisas e me levantando da cadeira de feliz para contar um caso antigo acho que estou vendo, em mim, um pouco desta mulher que me fez.

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A foto acima é a sala de aula onde ela estudou e leu seus primeiras letras, há mais de 40 anos atrás, na fazenda Amália, em Santa Rosa de Viterbo, fotografada por mim em uma viagem de redescobertas e passado.

Imagens




A conversa corria fluida como sempre no ônibus da tarde de sexta-feira. Naquele horário existe uma excitação no ar por causa do fim de semana, da juventude e da vida que aguça os sentidos todos. De repente, nossa criança corre pelo veículo todo imitando o homem-aranha. Era o primeiro sinal de que o motorista havia parado o carro, e não se moveria pela próxima meia hora.

Cansados, uma ou duas palavras e descemos em bando no meio da rua. Nossa amiga carregava um tronco de madeira pintado, enorme. Êta presente besta pra enfiar numa mochila, em uma tarde quente de São Paulo. Vamos pegar um ônibus, ou trem, ou carro que valha! A risada corria alta entre os carros.

Quanta ironia chegar na marginal a pé e perceber que a única coisa que poderia andar ali éramos nós. Os carros continuavam parados como noite sem vento, e as buzinas já com vida própria ainda se comunicavam.

No caminho rumo a algo que fizesse algum sentido para nós, uma rua, uma pessoa, uma escola conhecida, muita confusão. Parei embaixo de uma ponte para ver uma bandeira gigante do Pavilhão 9 sendo balançada por meninos cantores. Tratores gigantescos para trabalhos herculanos e outros pequenos como brinquedos compunham a paisagem surrealista ao lado dos carros retorcidos e moto destruída no chão. Mais e mais gente se amontoava pelas grades, pontes e janelas de coletivos.

O som ligado alto em um funk qualquer, e a confraternização presente em todas as tragédias. Diante de tanta banalização, mais um motoqueiro morto sobe ao céu, mas de helicóptero vermelho e anjos de arma na cintura.