Amar



Eu nunca uso poemas aqui nestes textos. Hoje, este aqui não me saía da cabeça, e resolvi compartilhar com vocês antes de escrever.

Amar

Que pode uma criatura senão,
senão entre criaturas, amar?
amar e esquecer,
amar e malamar,
amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados, amar?

Que pode, pergunto, o ser amoroso
sozinho, em rotação universal, senão
rodar também, e amar?
amar o que o mar traz à praia,
o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?

Amar solenemente as palmas do deserto,
o que é entrega ou adoração expectante,
e amar o inóspito, o áspero,
um vaso sem flor, um chão de ferro,
e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e uma ave de rapina.

Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor a procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.

Amar a nossa falta mesma de amor, e na secura nossa
amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita.

Carlos, sempre Carlos, Drummond.

----------------------------------------------------------------


Eu sinto falta demais de poesia na vida. Não sei se sou eu, ou meus olhos que amam. Mas eu amo sempre. Eu amo o futuro. Amo o que ainda não veio. Amo a possibilidade de amar.

Eu leio as coisas dos outros quando não consigo viver a própria poesia nas ruas. Eu me tranco neste quarto branco e cheio de santos marrons e leio, leio tudo o que posso, muitos livros ao mesmo tempo. Quero sugar pra dentro da minha própria história um pouco mais que beijos noturnos, um pouco além de palavras soltas, o Outro que nem conheço. Eu sugo o amor do Drummond, todo simples e levemente pornográfico. Eu janto o amor de Ka por Ípek, impossível, mórbido. Graciliano que ama uma mulher vendida. Thomas que não ama nada. Sartre que nem sequer suspira.

Eu engulo suas palavras como consolo, por não amar, por ter esquecido como é amar, por ter duvidado do amor.

O corpo se projeta no Outro. O corpo se projeta para o Outro. Eu acordo, me alimento, me banho, me mantenho viva por amor. O corpo só se realiza no amor. Toda a festa, primordial e necessária, se faz real no amor.

Enquanto não ama, um corpo é espera. É só um suporte, um castiçal, um vaso, guardando flores e fogo, enquanto o amor não chega.

0 comentários:

Postar um comentário