Mais chuva



Minha fonte de palavras secou. Estou feito árvore molhada em dia de chuva forte. Cansada, molhada, vencida. No próximo dia de sol, vou secar?

Se somos aquilo que os olhos dos outros vêem, se me vejo nos olhos dos outros, sou uma bela mulher. Roupas pretas me caem bem, tanto quanto o luto. Olhos brilham diante do mundo. A vida pela frente, por uma noite perde o sentido. Sou toda sentidos.

Me permito a queda, me deixa escorregar cheia de orvalho. Porém, sou forte feito árvore velha. Eu fico, a chuva passa.

A dor de ser responsável por quem se é me fragmenta. Mas, se me mantenho dentro de um quarto fechado, vejo as pequenas partes se recomporem uma a uma. Tenho paciência infinita. Uma a uma, as partes voltam. Os pés se plantam no chão. Volto a sentir as mãos. Os ouvidos voltam a escutar. Ponho Milton bem alto para me sentir viva.

O coração e o estômago são os últimos a voltarem para dentro de mim. Sinto vermelhas minhas carnes colando-se. Enfim, me levanto, e acendo um cigarro na janela. A fumaça que me dissolvia ainda me fará bem.

Olho a vida daqui de cima, acontecendo lá embaixo. Foram muitos anos olhando. É o momento de partir. Deixo o velho folk americano parar de tocar na vitrola, a agulha se levanta sozinha e não ouço o fim, porque parti.

2 comentários:

Anônimo disse...

Demais!

Anônimo disse...

Susana gosta de tomar banho de chuva. e de partir. de partir a chuva no meio quando ela cai sobre seu corpo. ela parte. sempre.

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