Sono



Fiquei muito tempo sem te ver. Creio que foram anos. Um dia, branca e estrangeira, cheguei num lugar agitado e te vi num canto fumando. Você estava bonito, cabelos grandes, bem maiores do que da última vez que lhe vi. Mas você estava triste. Estava tão triste, que não conseguiu mentir rosto feliz quando me viu. Deu um sorriso amarelo com fumaça entre os dentes. Acenei.

Pouco tempo depois, te encontrei lá fora, tentando ir embora sozinho. Estava escuro, fui lhe falar, você não respondia direito. Insisti em te acompanhar, instinto de cuidado ainda preservado. Você recusou. Te segui de longe durante parte do caminho, quando você desistiu e sentou na grama, exatamente como da primeira vez que te vi. Só que não estava tranquilo como antes. Uma pessoa muito querida tinha lhe deixado, e tua dor era sincera. A minha, em te ver assim, também.

Fui até sua casa, nossa antiga casa, e te coloquei na cama. Meu colchão ainda estava ali embaixo. Os cães ainda me reconheciam. Dormimos.

No dia seguinte, te fiz fazer coisas bobas. Andar pelo bairro, olhar arquiteturas bonitas, pegar mexericas no quintal, varrer o chão, fumar cigarros na janela.

À noite, quando quis ir a mais uma festa para se despedir dela e de você, te impedi delicamente, acompanhando você. Te sentei no mesmo bar, pedi as mesmas cervejas e te ouvi falar dela por horas. Paguei a conta e saímos. Você estava chateado, e se irritou muito quando as primeiras gotas caíram do céu. Andou mais rápido. Deu falta de mim. Ao parar para olhar pra trás, me viu maravilhada olhando para cima, sentindo a chuva no rosto, e rindo mais alto ao vê-la aumentar.

Nada é tão ruim que uma boa chuva de madrugada não seja capaz de curar. Fomos para casa, molhados e sem graça, tiramos as roupas e dormimos um sono de anos.

1 comentários:

Gaja disse...

bela história, além de lindíssimas cachorras.
é para isso que limpamos a casa, lavamos a louça... para termos momentos assim,
beijo

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