Um mês sem TV



A TV nunca foi parte muito importante na minha vida. Eu não tive desenhos preferidos, ou apresentadora infantil que eu mais gostasse. Minha mãe nunca me mandou sair da frente dela, porque eu realmente não era muito fã. Eu nunca gostei de TV no quarto, e escolhi um aparelho de som no lugar dela quando me perguntaram o que queria.

Quando passava as tardes sozinhas e era criança, eu deitava no sofá e dormia ouvindo a musiquinha do Vídeo Show. Quando acordava, ia inventar algo pra fazer fora de casa. Eu sou daquelas que quando chega uma visita, desliga a TV na hora. Acho terrível continuar prestando atenção nela, enquanto deveríamos estar olhando as pessoas nos olhos.

Mesmo assim, morando em repúblicas, a TV passou a ter um significado diferente. Nós nos reuníamos em torno dela para comentar qualquer coisa bizarra que estivesse passando. Nunca conseguíamos ouvir as novelas, de tanta mulher falando. Era o momento que nos unia, e não importava muito o que estivesse passando.

Depois, tive um companheiro que gostava muito de filmes e dvds de shows, mas ele já preparava o sofá com meu travesseiro, porque sabia que eu iria dormir.

Quando fui morar sozinha, minha mãe me deu uma TV de presente. Bem, eu ligava ela de manhã para saber que horas eram, e à noite, quando sentia vontade de ficar letárgica.

No último mês, entretanto, resolvi desligá-la de vez. Tirei da tomada. O resultado foi que todas as noites eu tinha que inventar algo calmo pra fazer, pra me desligar do dia a dia, e resolvi ler umas coisas. Em um mês, li dois livros do Philip Roth, maravilhosos, li outro sobre a sociedade do hiperconsumo, terminei o do Pamuk e do Auster, comprei mais um, desta vez Kafka. E ainda baixei uns 15 álbuns maravilhosos e ouvi todos.

Reparei que as horas que passamos em frente à TV são horas de leitura desperdiçadas. Tanto quanto fazer manicure toda semana.

Hoje, resolvi religar. Estava cansada de ler e de trabalhar, pleno domingo. Aconteceu o que eu devo chamar de um sinal, ou milagre: um cantor ruivo esgoelava um tecno brega doente de tão brega, enquanto sua parceira rebolava, bem como os outros quatro bailarinos vestidos com estampa de vaca, e uma anã de peruca loira e decote balançava o cd da banda como propaganda.

Um sinal dos céus: DESLIGUE A TV.

PS: Site incrível: Kill you TV: http://www.turnoffyourtv.com/

E outro, que desistiu da TV (em inglês): http://www.stevepavlina.com/blog/2006/06/giving-up-tv/

Para Sagitta - Meu muito obrigada

Eu inventei certa vez uma bonita história e fiz me ouvirem contá-la. Eu explicava com pausas nos momentos certos o nascimento, vida e morte do maior amor do mundo. Eu punha boas vírgulas, usava os dois pontos claramente: criando suspense. Os olhos verdes brilhando diante da minha voz me encantavam, e eu continuava. Criei momentos dramáticos de compaixão e admiração, temperei com arte de todos os tipos, enfiei um monte de frases da mais alta literatura goela abaixo da minha história.
Ela era para ser um conto bonito de um amor de criança, que acaba quando a infância é mastigada e cuspida no chão por um adulto crescido, mas acabou se tornando outra coisa.
A história criou vida própria. Ela inventou rumos diferentes, ela tomou estradas cheias de montanhas e música, ela subiu e desceu colinas e morros. A história resolveu se machucar, resolveu experimentar-se e ao mundo. A autora ficou sem notícias, e congelou suas palavras. Cansada e já seca dos olhos, escreveu muitas cartas pensando em um dia publicá-las. Entretanto, de sua garganta nada saía. Compulsivamente, registrava o silêncio em folhas de papel de pão com as pontas dos dedos sujos de amoras.

* Texto dedicado àqueles que nunca se vão, pois se tornaram parte de nós.

Saudades, simples assim

Quando eu era criança já crescida, meu maior sonho era andar pela Paulista sozinha à noite, em meio àquele monte de gente saindo do trabalho, e não cumprimentar ninguém. Só andar, completamente livre, com a sensação de que ninguém se importava comigo. Poder ser quem eu quisesse, mudar, ser diferente, e voltar a ser eu sem ninguém perceber.

Impressiona ver o caráter se formando, e seus valores grudando à sua pele. E assusta ver o quão diferente fomos capaz de nos tornar.

Este fim de semana, por um motivo delicado, viajei mais de seis horas para me juntar aos meus. Fui para a pequena cidade de onde digo que sou, por orgulho e saudade. Desde o momento que o carro entrou e vi a mesma rotatória que vejo há mais de vinte anos, virei na mesma rua onde meu irmão jogava bola quando nem tinha barba, e entrei sem bater no portão que nunca está trancado, meu coração sorria aberto também. Os primeiros rostos que vi foram rostos que me amam profundamente.

Passei dois dias somente, mas recebi uma avalanche de ois e tchaus, de como vais, de olhares de preocupação e carinho sinceros. Abraços reais, conversas reais. Andando nas ruas, encontrava tios e primos, avós e parentes de toda espécie. As mesmas ruas onde passei o comecinho da minha adolescência contando os postes pra chegar em casa, sentada na mesma praça onde meus avós se casaram há sessenta anos atrás, indo à mesma feirinha que vou há tempo demais para me lembrar. Havia lá tanta gente que me conhecia desde criança, e para quem não preciso explicar nada, que me deu uma imensa preuiça de voltar pra minha própria vida.

Eu ando nas ruas da cidade que moro e olho para todos os rostos. Não reconheço nenhum. Ninguém olha para mim, e posso ser quem eu quiser. Moro novamente em um prédio onde o porteiro sabe tudo da minha vida, e cumprimento pessoas sem olhar nos olhos.

Ir embora é um parto, todos os dias. O mundo é assustador, e eu achava que iríamos calejar. Meu espírito, porém, não é desprendido como eu ou todos pensavam. Estou inundada de saudades de tudo.

Mais chuva



Minha fonte de palavras secou. Estou feito árvore molhada em dia de chuva forte. Cansada, molhada, vencida. No próximo dia de sol, vou secar?

Se somos aquilo que os olhos dos outros vêem, se me vejo nos olhos dos outros, sou uma bela mulher. Roupas pretas me caem bem, tanto quanto o luto. Olhos brilham diante do mundo. A vida pela frente, por uma noite perde o sentido. Sou toda sentidos.

Me permito a queda, me deixa escorregar cheia de orvalho. Porém, sou forte feito árvore velha. Eu fico, a chuva passa.

A dor de ser responsável por quem se é me fragmenta. Mas, se me mantenho dentro de um quarto fechado, vejo as pequenas partes se recomporem uma a uma. Tenho paciência infinita. Uma a uma, as partes voltam. Os pés se plantam no chão. Volto a sentir as mãos. Os ouvidos voltam a escutar. Ponho Milton bem alto para me sentir viva.

O coração e o estômago são os últimos a voltarem para dentro de mim. Sinto vermelhas minhas carnes colando-se. Enfim, me levanto, e acendo um cigarro na janela. A fumaça que me dissolvia ainda me fará bem.

Olho a vida daqui de cima, acontecendo lá embaixo. Foram muitos anos olhando. É o momento de partir. Deixo o velho folk americano parar de tocar na vitrola, a agulha se levanta sozinha e não ouço o fim, porque parti.

Nem choro nem vela

A felicidade é passageira. E daí? O sofrimento também é. Também sou passageira.

Quero a risada alta, o passo largo, a voz alta, o olhar certo, vivo, brilho, canções e muito violão, muita voz, muita água e céu e montanhas. Pra mim quero a mim mesma mais que tudo.

Hoje estou na cidade mais feliz que conheci.

Hoje sou a pessoa mais feliz que eu conheci. Estou viva, e isso basta. A vida pulsa em mim e no mundo. As pessoas são a maior felicidade e o maior sofrimento. E daí? basta para mim: estou viva, hoje. E quero o mundo dentro de mim.