Maçãs



Cada tempero era uma dança. O rapaz flutuava entre as panelas em meio ao cominho, sal, cebola e água nos olhos. A cozinha tinha uma profusão de tampas nas paredes. Bules manchados de café, panelas enormes, outras bem pequenas, frigideiras e talheres de pau. Lembrei de Jorge Amado e sua Dona Flor. Vadinho comia cebola pra ficar com gosto ardido e beijo forte.

- Como será que é morder cebola como se fosse maçã?
- Eu, flor?

O menino andava pra lá e pra cá. Pegou uma panela grande, usada. Abriu a torneira d´água e lavou o alumínio, sujando um pouco a blusa. Lembrei dele no rio, respingado de água enlameada. Acendeu o fogo ralo e botou água pra ferver. Ia demorar.

Fui procurar temperos pra este macarrão. A negra dona da pousada estava lá fora, fuçando no quintal. Puxei conversa. Isso aqui, é manjericão? Eita que não, moça, é louro. Ria de mim. Sabe há quanto tempo moro aqui? Desde que nasci.

Cruzamos juntas a cozinha, a mulher ressabiada olhou pro moço que dançava procurando tampas. Homem sabe lá o que está fazendo... resmungou olhando pro chão e entrando cortina adentro.

A água fervente já estava cheia de massa. O macarrão ia amolecendo na panela. Eu debruçada na mesa cuidava para não perder o momento que, depois de colocar o sal e os temperos, o rapaz iria mexer o molho vermelho de tomates com a colher de madeira e levá-la à boca. Boca de homem que cozinha é vermelha, substanciosa, ardida. É a boca do melhor beijo que existe.

- Quer ajuda não? - dizia eu, mais mole que o macarrão na panela.

Ele só sorria e eu obedecia cheia de saliva na boca e colorido nos olhos.

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