Um samba tristinho

Queria a tranquilidade de ficar parada bem quietinha e não levantar, nem o tom da minha voz, nem o ritmo do meu coração.

Queria acordar cedinho com o frio da janela entreaberta, cantar baixinho, escovar os dentes sentada no tapete do chão. Queria adquirir um movimento delicado ao mexer as mãos e os olhos.

Queria saber tocar o violão encostado na parede e criar harmonias próprias, saber dedilhar lentamente com a mão direita.

Não sei se foi Deus, se foi o acaso, os livros que li ou as pessoas que amei, mas eu sôo como um trompete inquieto. Se eu fosse um som, seria um free jazz, me disseram uma vez.

Queria ser uma bossa nova bem calminha, queria ser um samba tristinho, ter uma voz delicada, soar como cordas novinhas de violão batendo nas unhas. A respiração seria um soprinho de flauta, e me cantariam para fazer crianças dormirem.

Música, música, música


Com estes sites dá pra ser uma pessoa feliz.

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Um blog de bom gosto assustador:


E a lista fantástica, 1001 discos para se ouvir antes de morrer, organizado por décadas:

PS: Este último blog organiza os álbuns desta lista para você baixar...é inacreditável!

Sobre a solidão das portas de apartamento

Este fim de semana aconteceu algo bem esquisito comigo e com minha família. Um bandido maluco ligou para o meu pai e conseguiu convencê-lo de que eu estava em seu poder. Exigiu resgate e tudo (curiosos: eu valho somente 5 mil reais). Só que eu, bem sossegada, estava no cinema em SP. E com o celular desligado por 2 horas.

Bem, vocês podem imaginar meu pai na delegacia anti-sequestro, minha casa em Sorocaba cheia de gente, dez mil ligações para meu celular, meu irmão ligando para qualquer ser humano que já me conheceu para saber do meu paradeiro, meu ex-namorado tendo que ir na minha casa falar com o porteiro... enfim, uma baita confusão e um susto enorme.

Depois desta loucura que tomou conta da minha família, parei para pensar o quão absurda é a vida que levamos. A pessoa que tinha as melhores informações sobre mim era o porteiro do meu prédio, que eu sequer sei o nome.

Ele sabia o nome da rua onde eu morava, e o número do meu apartamento. Coisa que minha família não sabia, e duvido que algum amigo saiba. Faz uma semana que meu irmão veio pela primeira vez na casa que eu moro há dois anos. Ele olhou no GPS do carro dele o nome da minha rua para avisar a polícia. Eles ligaram para pessoas que mal me vêem hoje em dia (haja saudades...). Os amigos com quem eu convivo hoje, eles nem sabem quem são. Ah, o porteiro sabia e os procurou.

Desde que saí do interior, ou da minha cidade que considero o lar onde fui criada e onde me tornei quem sou, eu não tenho mais laços duradouros com ninguém. Ninguém sabe da minha vida, eu nunca vi quem são meus vizinhos direito, e não tenho mais amigos de infância quando bastava eu cruzar a rua e estaria amparada. Não tem aquelas velhinhas que te viram nascer, que sabem de você e de sua família, que estavam ao seu lado quando a sua mãe descobriu que estava com uma doença ruim. Não tem grandes amigos que te amparam em toda situação boa e ruim, que simplesmente assistiram televisão à toa com você, ou andaram pelo bairro para ficar com você e fazer nada enquanto crescíamos. Não tem vizinhos de frente festeiros, que você abria a cortina para olhar lá fora, e já era convidado para uma ou duas cervejinhas na calçada.

Quando este episódio do sequestro aconteceu, todos estavam nervosos, e eu fiquei arrasada por ver meus pais chorando no telefone. Mas, mais que isso, fiquei imensamente triste por estar aqui, longe da minha história, construindo um caminho que é bom e é só meu, mas é um caminho solitário. Meus pais tinham 10 amigos na sala, os consolando. E eu sentei no chão e conversei com o porteiro.

Ontem eu fui ao shopping sozinha, entrei no cinema, e não assisti o filme até o final. Depois da confusão, à noite, fui ao teatro sozinha, e também não vi o fim da peça. Hoje, fui a um parque lindo correr sozinha, e fiz um almoço lindo para mim mesma, e estudei à tarde sozinha. No fim do dia, vim pro centro de SP, pra Augusta, lugar de toda pessoa que, como eu, está sozinha aqui, e pode fingir que é cool lendo um livro pequeno, em uma cafeteria qualquer.

Anedotas sobre quem somos



Quem a gente é cabe em 8 horas diárias de trabalho? Não, claro que não. Veja bem: Madalena, contrato número 10.568, analista III, GS o caramba. Não diz muito.

Conheci um cara legal uma vez. Veja bem, não era um cara comum. Era um homem incrível. Ele cabia em todos os desejos fantasiosos das pseudo-metidas a intelectual como eu: olhar seguro, sorriso largo, forte, moreno de sol, o erre mais puxado do mundo pra dizendo amorrrrrr, vem cá. Aquela morenitude perfeitamente encaixada em quilômetros de 1,90m de pele. Poucas palavras. No meio da conversa, um calor absurdo, braços tão fortes meus deus... O que você faz para ter os braços assim? Ué, amorrr, eu colho laranja.

Horas depois, ele me contou que uma garota certa vez perguntou a mesma coisa (quantas terão sido?), e ao dizer que trabalhava no pesado assim, a menina simplesmente me soltou uma besteira infernal: Ah, claro. Eu tô falando sério. Tô perguntando no que você trabalha. Ele largou a moça na festa, graças o rapaz tinha muita justeza de saber quem era. Ele não era um colhedor de laranjas, era um rapaz que dizia amorrrr.

Eu sempre me perguntei o que me define como pessoa. Onde nasci? O que estudei? O que li? O que fiz?
Sinceramente, tenho dúvidas sobre isso. Tenho vontade dizer que gosto das imagens do São Francisco, e também de cachorros boxer. Que sou do interior, mas gosto muito dos prédios altos da Avenida Paulista. Que certa vez dancei catira no palco e fui ver estrelas no pasto. Quando tinha 8 anos escrevi para Lucília Junqueira perguntando o que ela achava das histórias que eu queria escrever. Começo 10 livros e levo um ano para acabar todos.

Eu suspiro rápido, pensando em quem eu sou, enquanto repito decorado a todos que me perguntam diariamente sobre minha vida: sou socióloga, moro sozinha em SP há dois anos, estudei Direitos Humanos e Gênero...blá blá blá...

Na faculdade, vivi tudo menos sociologia. Pra SP, vim por causa de um homem e de um sentido. E nas aulas de Gênero, bom mesmo era quando elas acabavam, e eu e minha amiga Erica íamos para as ruas geladas de Montreal ver os prédios e fumar cigarros caros.

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O Castro famoso não me interessa agora, mas sim um outro, que leio regularmente e me inspirou a falar sobre a prisão de ser quem querem que sejamos. Alex, me permita, por gentileza, falar das tuas letras.

Eu não sei como cheguei ao site dele, e nem entendo direito esta mania estranha dele por pés. Mas entendo uma coisa: ele teve uma sacada bem legal ao começar a escrever sobre "as prisões".

Dá raiva ler o cara. Ele cospe as palavras na tela, e tem bom humor afinal. Ele não tem muitos pudores em falar a merda que quiser, enquanto eu fico preocupada de ser quem eu sou na frente dos maiores amigos, quiçá de pais, parentes, colegas.
* Arte digital das laranjas: João Werner.

Um copo a mais de café - para a estrada


Depois de uns dois telefonemas rápidos, eu sabia que o rapaz estaria no local combinado, quinze minutos antes. Era o tempo dele se familizar com os sofás, os garçons e as revistas nas prateleiras. Iria pedir uma água, enquanto lia algum livro de orelhas gastas. E iria me receber com o mesmo sorriso nos olhos de anos atrás.

Eu temi não saber o que dizer, ou não me sentir mais tão feliz ao seu lado como sempre me senti. Mas todo o meu medo se dissipou ao contemplar em cima de uma cadeira a mesma blusa de lã amarela e gasta que tantas vezes eu já tinha abraçado. Tudo estava exatamente no seu lugar.

E pude conversar por horas, e saber as novidades, e rir, e brincar, saber de coisas tristes e outras bonitas, falar de livros e coisas sem importância, e olhar no relógio e ver o tempo correndo estupidamente rápido. Os encontros são desculpas bonitas para deixar o amor correr fluido e fazer seu papel simples.

A conta já estava na mesa, e saímos. São Paulo tinha aquele brilho amarelado da chuva por todos os lugares, os carros e ruas brilhando, a avenida Paulista amarelamente triste, com jeito de adeuses. Lá íamos nós mais uma vez nos despedir sem dia para voltar.

Meus olhos ficaram cinzas e molhados como a cidade, quando enfim respirei fundo e entrei num ônibus barulhento, deixando você e minhas melhores lembranças de amor e amizade para trás.