Concreto



Copos americanos de vidro, mesas sujas, cerveja sem gelo. Sempre os mesmos motivos. Tem vezes que toda a força do mundo não é suficiente para te colocar de pé da mesa onde descansa. Horas fazendo um esforço comedido para sorrir. Meus olhos cheios de tédio. Ontem, hoje. Os copos americanos vazios, cerveja barata.

Não importa o que se pense ou se fale. Os mesmos copos americanos estarão ali, até o fim dos tempos.

Ainda: delicadeza

Eu sempre digo que ninguém é dono dos outros, nós vivemos soltos por aí, nos doando aos poucos para cada um dos que acabam compartilhando suas tardes, seus beijos, suas letras, suas histórias, suas vidas conosco. Nós escolhemos nos doar. Eu gosto das pessoas com sinceridade. Não sou deslumbrada, nem carente, nem nervosa. Eu simplesmente me agrado, e passo a viver com olhos novos sob mim. E vou levando na mansidão de quem nunca tem pressa, nem medo de se envolver com a vida dos outros.

Converso todos os dias com muitas mulheres e homens. Querem coisas muito diferentes. As mulheres, querem a ilusão de serem únicas, às vezes às custas de uma felicidade maior. Os homens, querem uma coisa que chamam de liberdade, mas podemos também chamar de paz para serem superficiais.

No fundo, creio que todos querem ter algum respeito. Querem que não furem a fila na sua frente. Que liguem no seu aniversário. Que lhe dêem ouvidos quando tiver algo difícil pra dizer. Querem que lhe tratem com delicadeza.

Vou lançar um movimento: onde foi parar a delicadeza das pessoas?

Lembranças amarelas, roxas, laranjas



A infância para mim tem gosto de compota de fruta feita em casa. Geléia de jabuticaba, geléia de morango, doce de figo inteiro, doce de goiaba em pedaços, mamão açucarado cortado bem fininho, meu pai comendo doce de abóbora com um garfo, de dentro do pote mesmo. Meu pote de doce de goiaba, mais cheiroso que tudo nesta vida.

Eu não tinha pés de frutas no apartamento onde morava, mas minha mãe conseguia sempre as mais bonitas, mais maduras, ou cheias de cal, nas feiras de bairro onde íamos. Eu fui uma menina carregadora de sacolas, cheias de todas as verduras e frutas que eu mais gostava. Chegando em casa, punha as sacolinhas em cima da mesa, e sentava em cima da pia no meu lugar favorito. Dali, podia observar minha mãe mexendo panelas por horas. Até hoje não entendo por que é que nunca aprendi a fazer os tais doces e compotas.

Ia para casa de minha avó, e subia na goiabeira com minhas primas. Um dia, meu avô cortou a goiabeira e nos deixou órfãos de árvore de vó. Lá, na mesma cidadezinha, íamos visitar mangueiras centenárias. O lugar era mágico, inventávamos mil histórias de como elas haviam sido plantadas por nossas tetravós. Dezenas de mangueiras bem cheias, mangas muito maduras, mangas voando sobre nossas cabeças, espatifando maduras no chão. O porta-malas do carro lotado da fruta amarela. Mangas pequenas, enormes, rosas, amarelas, laranjas. A gente colocava tudo numa bacia de lavar roupas gigante em cima da mesa da cozinha, e toda hora roubava uma para comer no quintal. Minha avó, sempre lambuzada de manga.

Quando parei de subir em árvores e fui tomada pelo amor pela primeira vez, matava aulas para colher amoras. Na minha escola havia muitas árvores, mas num canto, juntinhas, uma dezena de amoreiras. O rapaz gostava delas, mas eu não. Eu gostava era da graça de passar muito tempo olhando ele colher e comer. Pegava as maiores para mim, me dava várias nas mãos: come, é bom.

Fomos para casa, namoramos muito. Muitas horas. Minha mãe chegou: susto. Ela trazia um balde de amoras.

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O menino do balde de amoras se tornou escritor. Tem textos lindos dele, aqui: http://enguiacega.blogspot.com/
Em meio a tantos, achei referências às amoras também.

la vie en rose

A vida não é rosa, mas de vez em quando tem tanta beleza no ar que nos expulsa pra fora da casca, e sentimos como se vivêssemos muito, do alto de nossos vinte e poucos. Uma só vida não basta pra contar tanta história.

Hoje choveu fraco e o calor forte fez a chuva parecer ainda mais bonita, e o cheiro do chão ainda melhor, desprendendo cada grão de memória dentro de nós.

Eu estou toda memória, porque não ando vivendo nada importante. Uns amores bobos aqui e acolá, velhos amores cheios de verdade se indo, levando a vida burguesa de sempre, asseada, limpa, tentando não cair em meio às montanhas de roupas amassadas no meio da casa, acordando cedo todo dia, religiosamente ao despertar do relógio. Tomando meu café depois do almoço sempre de pé, a mesma miopia me incomodando todos os dias, preguiça de ouvir novas músicas.

Vontade ser toda silêncio, e ir para um lugar onde não possa machucar a mim mesma, nem a ninguém.