Drummondiana



Drummond é meu poeta preferido, todos sabem. Mas, não sabem por que razão. Explico.

Eu o amo porque ele tem a capacidade de condensar toda a beleza do mundo em poucas linhas. Ele fala sem enrolar. É duro ou amoroso, é delicado ou cruel, em pequenas palavrinhas colocadas milimetricamente juntas. É da sua simplicidade que gosto mais que tudo.

Eu queria ser assim, poesia dele. Simples, bela e condensada. Existir sem ter que ser alguma outra coisa que não beleza e poesia. Queria poder explicar sem falar.

Melhor olhar. Ou ler. Ninguém diz melhor que ele.

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Ao Amor Antigo

O amor antigo vive de si mesmo,
não de cultivo alheio ou de presença.
Nada exige nem pede. Nada espera,
mas do destino vão nega a sentença.

O amor antigo tem raízes fundas,
feitas de sofrimento e de beleza.
Por aquelas mergulha no infinito,
e por estas suplanta a natureza.

Se em toda parte o tempo desmorona
aquilo que foi grande e deslumbrante,
a antigo amor, porém, nunca fenece
e a cada dia surge mais amante.

Mais ardente, mas pobre de esperança.
Mais triste? Não. Ele venceu a dor,
e resplandece no seu canto obscuro,
tanto mais velho quanto mais amor.

Carlos Drummond de Andrade

Novela II

Que aventura que é desbravar o interior de SP em um ônibus poeirinha! Estes últimos três dias passei umas 20h sentada em bancos de ônibus por aí. Descobri que é tudo muito bonito por lá, tem boi e pasto a perder de vista, e muita água. E é muito, muito longe da minha vida aqui.

Prudente é animada, cheia de estudantes, viva mesmo. E quente (redundante falar).

Venceslau é toda bonitinha, as pessoas super simples, dá vontade andar pelas ruas falando bom dia. Tem muita pobreza e muita riqueza, tudo lado a lado. E meu deus, como é longe de tudo.

Resumindo a novela, ainda não sei direito onde vou trabalhar ou morar.

Saber falar adeus é o mais difícil. Todo mundo acha que, de tanto que já mudei, não ligo. Mas eu ligo sim, fico uns meses meio perdida querendo voltar. Depois, fico bem.

Nem sei mais pra quem falo tchau, de tanto que já fui.

Semana agitada

MUDANÇA PRA PRUDENTE



Lá vou eu de novo. Decidi ficar em Presidente Prudente, esta simpática cidade aí em cima, "capital do Oeste paulista". Estou indo hoje para lá, passar a semana e tentar resolver minha vida um pouquinho. Não sabemos ainda se trabalharemos lá ou em Venceslau. Mas, de qualquer modo, ficarei por lá.

Algumas coisas legais para saber sobre ela:

- fica a quase 600 Km de São Paulo. São 7h a 8h de ônibus ou umas 6h de carro.
- são 250 mil as pessoas morando lá.
- tem um Sesc por lá, centros culturais e cinema. Shoppings também, mas vocês sabem que eu não vou.
- ela foi escolhida uma das 100 melhores cidades para se viver no Brasil.
- é muito muito quente.

Em breve estarei apta pra receber visitantes!!! A região é linda, cheia de enormes rios e pertinho do Mato Grosso do Sul. Quem quiser ir pro Pantanal ou pra Bolívia pode fazer um pit stop lá!

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TEATRO




Sexta-feira vou ter a felicidade dupla de ver um amigo fora e dentro dos palcos. Amigo de tantos anos de fila de teatro no chão...oficinas que eu me meti sem saber direito o por quê. Não importa, elas me deram muita coisa e você ficou. Estou muito feliz em saber que está conseguindo um espaço seu, aí, no meio da selva de pedra.

Rob (blog ali do lado - Sensorialidades), que recebeu críticas muito boas, está em cartaz em duas peças do pessoal do Satyros (120 dias e Justine). É ele ali em cima embaixo da saia da moça, na peça Justine. Meu querido, sei que a peça é Sade, mas vai ser estranho te ver pelado! Você é lindo, mas não quero ver não!!!! Vou fechar os olhos, prometo. Parabéns demais, você sabe o quanto é querido aqui.

A programação está aqui para vocês verem. Sexta estarei lá.

SATYROS

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VIRADA CULTURAL 2009



Esta semana que vem tem o evento mais bonito do ano em São Paulo, a VIRADA CULTURAL 2009.

Já faz 5 anos que ela existe, mas a cada dia está maior e melhor. Já vi tanta coisa bonita que é difícil comentar.

Vi bailarinos imensos suspensos nos prédios mais altos de SP, de madrugada, dançando sozinhos iluminados por gigantescos holofotes. Mágico.

Vi Gal Costa cantando Sampa e depois Trem das Onze, no centro de SP e 20 mil pessoas cantando com ela.

Andei sem medo por madrugadas inteiras em meio àqueles prédios lindos do centro de SP. Sentadas nas calçadas, deitadas no chão com a cabeça nas mochilas, assistíamos de camarote um espetáculo infinito no meio da maior cidade do Brasil.

Enfim... é impossível descrever. Tem que ir!

A programação está aqui - e tá difícil decidir:

VIRADA CULTURAL

Mudanças!

Eu sempre mudo, e o blog tá sempre com a mesma cara antiga? Hora de uma mudança aqui também.

Tava tudo precisando ser repaginado, e aproveitei a ociosidade das minhas enormes férias de dois meses já.

Mais cores, mais tranquilidade, mais delicadeza. Eu queria que ficasse mais agradável de ler também. Deu certo?

Ah, agora vocês podem mandar os textos por email, é só clicar ali embaixo no ícone de envelope. Vai direto para aquele amigo mais necessitado de texto!

Para o pessoal que sempre aparece em busca de textos, ou em busca da minha próxima parada, obrigada de coração pelas visitas.

Tenho visitantes firmes, super constantes! Fico super feliz. Espero que tenham gostado.

PS: Mandem seus sites pra mim, assim posso segui-los, ali ao lado já têm alguns!

Sono



Eu tô de saco cheio de ter que saber tanta coisa. Quem é Protógenes, onde fica o Maranhão, que é Kautsky, ou Baudelaire. Ok, eu sei estas coisas, mas que porcaria. Pra que servem afinal? Minha mente está exausta.

Eu me culpava sempre por ter esta visão crítica esquisita, por ficar entediada com tantas discussões. Em meio a tantos interessados nestas coisas, tinha hora que eu só queria ir andar no sertão com o Rosa. Sumir. Eu sempre achei que literatura está acima de todas as coisas.

A cada um, no entando, dizem que cabem seus papéis. Temos avós, matadores de aluguel, escritores de jornal ruim e recolhedores de cães de rua. Eu, só não achei um pra mim ainda.

Afinal, sei uma coisa: intelectual não sou. Sou simples demais pra pensamentos tão elevados. Eles me entediam, me dão imensa preguiça, e vontade sentar na cadeira da varanda e dormir um sono bem gostoso.

Novelesca


Tenho tantos clichês em minha mente que o texto não sai hoje. Engoli as palavras melhores porque estava ali na esquina, vivendo algumas delas. E olha, era vida real.

Era eu de pijamas e unhas roídas, era eu descabelada e de rosto limpo. Eram ruas novas e velhas, e o mesmo rosto da minha infância que eu sempre vi. Era o meu rosto refletido num rosto que não era eu. Mas, mais que tudo, era eu na carne, sem cortes.

Acho que passamos tempo demais representando tanto, maquiando tudo para pedir a aceitação de todos, que quando chega um momento onde nada é preciso ser dito, sobra uma menina de 15 anos, morrendo de vergonha e cheia de caipirices. Linda e real. Sobra um cara à moda antiga, feliz da vida. Um tanto de beijos de criança roubados numa varanda de vó.

No fim da tarde, era eu indo embora com vontade olhar pra trás, rindo sozinha no velho caminho transformado.

Prisão


Texto de Abril de 2009

Dizem que estamos condenados a ser livres. Eita coisa bonita de se pensar, e dolorida também. Estou condenada porque não pedi pra nascer, mas uma vez que fui jogada neste mundo. A liberdade são minhas escolhas, obrigatórias, que definem quem sou.

Mas não adianta olhar pra mim com cara de quem entende: não, eu não sou livre. Eu estou presa a dogmas, a culpa, a moral católica, ao gênero feminino, a identidade brasileira, aos papéis todos que tenho que desempenhar: filha, trabalhadora, neta, amiga, liberal, irmã, amante, de esquerda, namorada, etc.

O problema só começa a existir quando passamos a pensar um pouco mais por nós mesmos, e vemos que nossas idéias assustam um pouco. E foi o velho e bom tema da monogamia que me fez escrever hoje.

Mireveja: eu sempre namorei muitos anos. E sempre fui monogâmica. Porém, nunca deixei de compreender os que não são. Eu entendo a violência que é se manter interessada/o na mesma pessoa por anos a fio. É uma renúncia imensa, em prol de algo que tem que ser muito, mas muito bom. E já vivi isso, então entendo quem resolve ficar mesmo com uma só pessoa. Mesmo assim, sabemos que o encantamento tão forte, este aí capaz de produzir uma monogamia espontânea, dura somente no começo. E depois?

Eu vejo todo o sofrimento, especialmente masculino, diante desta violência. Sim, porque nós mulheres somos educadas a ficarmos bem quietinhas esperando por um cara trilegal que nos ame e nos respeite. Por isso não vamos tanto à luta, ou a caça, como alguns preferem dizer. Entretanto o homem, educado para a poligamia, realmente sofre uma castração meio violenta quando namora ou se casa.

O melhor casal que conheço mantém uma relação aberta. Eu acho que eles funcionam muito bem juntos, têm menos ciúmes, respeitam os espaços do outro, suas privacidades. Sei que não é fácil para nós, o lado de cá. Ninguém consegue conceber seu amante/namorado saindo com outras, embora saibamos secretamente que os homens fazem isso freqüentemente, mesmo que não queiramos.

Eu considero a monogamia um mal necessário para fazer bem ao parceiro, uma proteção do ego do outro, uma afirmação meio boba de que somos as pessoas mais especiais do mundo para alguém. Por isso, quem trai, faz escondido. Continua protegendo o outro. Mesmo em relacionamentos abertos, é preciso haver algum respeito semelhante.

O mundo está lotado de pessoas interessantes, gentes de todo tipo, cada um com coisas incríveis para ensinar, histórias lindas e cheias de paixão para viver. E ficamos aí, castrados.

Eu entendo que o casamento tenha suas funções sociais, mas não venham me dizer que é fácil mantê-lo. Hoje, 1 em cada 2 acabará em divórcio em menos de 5 anos.

Podem xingar a vontade, mas sejam educados.

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Querem ler mais sobre o assunto? Vejam o blog do Alex, que discute algumas prisões. Tô cansada de indicar o cara, mas adoro mesmo. Vale a pena.

A prisão da monogamia

Textos do Alex sobre relacionamentos

Visitante ilustre



Que vergonha de criança que me deu agora!

Quem me conhece na vida real sabe que aproveito muita coisa minha, ponho assim um coloridozinho, ou mesmo escalo tudo em cinza, e uso aqui no blog pra fazer histórias.

Hoje conversando com um antiguíssimo amor e mais antigo ainda amigo, ouço que ele vem sempre aqui. Nunca sei quem frequenta esta casa, pois não tenho olho mágico. Cobri os olhos vermelha inteira: ele é um maxi personagem das crônicas aqui do blog.

O que acontece é que usei o guri inúmeras vezes em histórias...umas bem lindas...ele que na minha vida deixou muita coisa boa, mas também contei coisas que ele nem sabia. Ué, que posso fazer. As histórias me pertencem, e qualquer semelhança...já sabem.

Querido, seja sempre bem-vindo. Obrigada pelas visitas e pelo melhor presente que ganhei na vida: ter aprendido a acreditar no amor.

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Curiosos!? Eis alguns textos que tiveram esta história aí como inspiração:

Como fazemos
Amor e fé
Lembranças amarelas
Para Sagitta

E realmente importa?



Hoje tive notícia que posso ir trabalhar em diversas cidades da região onde escolhi. Enquanto alguns se assustaram com os nomes estranhos que apareceram - Caiuá, Piquerobi - eu sorri. É que para mim, realmente, não importa. Eu não ligo de ir embora, eu ligo é de ficar parada. Achei os nomes poéticos, as cidades minúsculas e bonitas como tantas outras, e fiquei feliz que ficam perto de rios limpos.

Eu já morei em muitos lugares, e tenho certeza que morarei em muitos outros. Isso acaba criando alguns mitos bobos.

- Quem muda demais é instável.

Eu não sou instável: talvez só não tenha tantas idéias pré-concebidas que preciso obedecer, se não, morreria! Meus gostos e opiniões não são eternos, nem tão consolidados assim. Eu encaro isso como uma vantagem. Não sou instável, sou flexível. E curiosa. Gosto de gente, já disse. Em novos lugares, conhecerei novas gentes e, principalmente, novas formas de viver. Serei mais aberta e menos preconceituosa.

- Ela não se adapta a lugar algum.

Pelo contrário, eu me adapto a todo lugar. Eu adoro conhecer a cidade, os arredores, as pessoas. Suas coisas, o que fazem, suas casas, como compram, plantam ou contam sua história. As pessoas e o lugar: sem julgamentos, a gente se diverte com antropólogos em festas bicho-grilo, comendo com as mãos num templo indiano, ou jogando sinuca com engenheiros.

- Você não cria raízes.

Falo quase todos os dias com o indiano meu amigo de Montreal, bem como os dois quebecóises lindos que tornaram a minha vida mais fácil lá. Sei exatamente onde estão meus amigos de Sorocaba, que deixei há 10 anos. Também sei dos recentes amigos. Os queridíssimos de SP, sei de todos os verdadeiros amigos. Em Campinas, fiz irmãos. De São José, ainda estou chateada de saudades de todos. É, realmente...não crio raízes: crio histórias que levo comigo pra onde vou.

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Uma coisa é completamente verdade: quanto mais diferente de nós mesmos, mais somos forçamos a pensar a questionar as verdades que criamos para viver. Sim, dá pra viver com -30 graus. Sim, consigo ficar bem com 35ºC.

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PS: Na foto, um lugar que morei.

Naturalmente vegetarianos



Meu primeiro animal de estimação não foi um cachorro, foi uma galinha. Morando na curva do mundo, periferia de cidade do interior, ganhei um pintinho de algum simpatizante. Esta aí em cima é a Gripina, a galinha que espirrava, e a loirinha sou eu com uns 2 anos. Um dia, sem comida para as crianças e sem ter onde comprar, as mãos de minha mãe destroncaram o pescocinho da Pina. Eu, com a asinha na boca, ainda perguntava: Mãe, cadê a Pina? Fugiu, filha, fugiu.

O primeiro semi-vegetariano que me lembro ter conhecido foi meu irmão. Bebê ainda, só mamando no peito, era hora de começar a introduzir sopas na sua alimentação. Mandioquinha, cenoura, vagem. Tudo certo. O problema foi quando nossa mãe resolveu colocar carne em sua comida. Ele berrava até se acabar. Não comia mais. Os médicos preocupados...foi só tirar a carne e ele voltou a comer tudo.

Durante nossa infância, sempre teve sua comida separada. Ele tinha horror à asa do frango, ao pescoço, suas coxas, cabeça, pés. Minha família ainda por cima criava as galinhas. Ou seja, o cheiro de pena queimada na casa sempre foi pra ele o gosto do frango. Ele tinha tanta aflição que algumas vezes chegava a sair da mesa. Camarão ou peixe então...ele era capaz de sair da casa!

Porém, com o passar dos anos, sua restrição alimentar só aumentou. Passou a comer somente ovos (somente as claras), e batata. Legumes: nenhum. E a indústria alimentícia conseguiu enganá-lo! Carne, só se fosse bem disfarçada, em forma de bolinhos, nuggets, hambúrgers. Ele, um vegetariano natural, se rendeu à carne fabricada.

Aos 20 anos, tive um namorado recém-convertido. Ele literalmente carregava seus legumes por aí, e fazia pratos com soja e azeite que eram uma delícia. Minha mãe nunca esquece que graça era ele deixando a sacola de feira em cima da mesa: Pode deixar, minha comida eu cozinho. Não se preocupe comigo. Por causa dele, conheci os eventos vegan, a cozinha vegetariana, e li algumas coisas. Creio que nunca mais voltou a comer carne.

Quanto a mim, nunca gostei nem desgostei. Porém, se tivesse prestado atenção ao meu corpo, teria visto que também era uma vegetariana natural. Eu simplesmente não tenho vontade comer carne alguma. No entanto, polenta de milho verde é a melhor coisa do mundo. Mini tomates italianos. Aspargo. Vagem bem fresquinha. Alfaces de várias cores criados na água.

Há algum tempo, impressionada, li muitas coisas sobre a produção de alimentos, a agricultura orgânica, a exploração do trabalho no campo, a quantidade de veneno e falsidade que estão presentes naquilo que comemos. Comemos placebos, não alimentos. Passei a ter aflição do frango, do açúcar, das caixas congeladas de comida.

Temos uma chacarazinha, e de lá vêm comidas sem venenos. O gosto é muito melhor, mas os bichos também acham isso. Ainda desconheço solução para comer uma goiaba em paz, ou fazer os tomates sobrarem para nós também.

Meu corpo pede o fim de sua exploração. Ele quer trabalhar calmo e ter paz. Este é um dos motivos meio inconscientes que me fazem, aos poucos, eliminar tudo que precisou ser morto para chegar na minha mesa.

A Gripina ia poder morrer de velhice agora.

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Alguns sites legais para quem se interessa:

Vegetarianismo
Slow Food Brasil
Vegan

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E filmes para baixar:

A carne é fraca - BR
Our daily bread

Como fazemos as escolhas que mudam nossas vidas



Parece que foi ontem, inútil dizer, pois qualquer passado é ontem. Foi mesmo. Ontem, há 10 anos atrás.

Meu plano havia dado certo. Um ano de cursinho me garantiria mais um ano com o homem que eu não queria largar. Aulas pesadas, músicas bobas, e o café com cigarros parecendo mais interessante lá fora. O bairro era lindo, todo cheio de sombras e calçadas largas, boas pra se sentar no chão às oito horas de uma manhã friazinha pra ver o dia começar.

O tal homem era excelente companhia e melhor ainda namorado. Muita delicadeza, estranheza, muita música e muita poesia. Tudo do melhor misturado em uma pessoa doce, branca, de grandes olhos pretos e cabelos desalinhados bonitos. Tranquilidade nos gestos e nos olhos. Eu, toda agitada, o contraponto perfeito. A terra e o fogo. Há alguns anos a gestação de um "felizes para sempre" já parecia natural. Em comum, o gosto pelos livros e a certeza que de iríamos embora no final do ano. Eu, querendo ir pra faculdade estudar literatura, e ele, psicologia.

Os dias corriam simples, quando o outono e o outro chegaram. Em alguma aula chata de química, recostei na cadeira e olhei pra trás. Menino novo. Cabelos que ele mesmo devia cortar, compridos pelos ombros. Camisa branca totalmente puída, chinelos no chão e pés descalços em cima da cadeira. Olhos xavantes rasgando o rosto me encararam firmemente, sem sorrisos.

Caramba. Quem diabos é o indiozinho lá atrás?

No primeiro intervalo fui eu mesma perguntar. Qual seu nome? Completamente mau-humorado, me disse que não era do tipo que fazia amizades. E não me deu um nome, mas um apelido. Gente ruim é desafio, pensei. Não tolero gente que fica no canto da sala, quieta. Eu sempre vou lá e, quando não tomo na cabeça, arranjo um novo amigo.

Nos próximos dias, eu o segui. Não entrava na sala, eu também não. Estava implicada com o menino. Me dá um cigarro? Sim, como não. Que você quer fazer? Sociais, disse ele. Que é isso? E me deu umas coisas pra ler. Não era muito de falar de si, mas falava demais sobre tudo. Era brilhante, crítico, vivo. Seu mau humor era uma revolta mau canalizada. Perdoei.

E assim o tempo passava. Matei todas as aulas possíveis para ficar perto dele. O namorado de vez em quando saía, bebia água, me olhava...mas não podia fazer nada. Eu precisava daquilo e nunca negociaria meu direito a conhecer, conversar ou passar horas com os olhos grudados na boca do outro. Foi a única pessoa que conseguiu confundir minha cabeça, disparar meu coração e atrapalhar tudo, em anos de grande amor e cegueira. Mas, nunca me deu muita corda. Respeitava o outro, e era seguro de si demais. Protegido de si e dos outros num muro imenso.

Depois de alguns meses, olhei o namorado ainda ali. Não é que este menino era querido demais e não queria perdê-lo? Resolvi voltar às aulas.

O indiozinho abandonou a escola precisando criar um filho. Eu, não saí incólume. Mudei meu "xis" na ficha de inscrição para Ciências Sociais.

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Ele nunca cursou Sociais. Virou cantor de uma banda de punk rock que faz algum sucesso. Conheci seu filho por foto, ao visitar um apartamento quando procurava casa para morar em São Paulo. Sorri sozinha no quarto da menina, ao reconhecer o garoto na foto. Qual o nome da criança, perguntei à mãe. Ernesto. Ernesto!

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Essa é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com nomes, datas e acontecimentos reais terá sido mera coincidência.

A culpa é toda sua



Outro dia li que não existem blogueiros: existem escritores. Os escritores somente habitam o espaço virtual. Pensei: sendo blogueira, devo ser uma escritora. Posso ser ruim, mas é o que faço aqui. É esquisito falar "escritora". A gente acha que é preciso ser lido, publicado, para ser digno de ser chamado assim. Culpa de ser.

Ainda ontem defendi que não é possível escrever ficção. Pelo menos eu, não consigo.

Eu sempre achei que era preciso viver para contar. Tenho travas que duram meses, como esta que descrevi aí embaixo, por deixar de viver. Então precisei sentir muita culpa hoje, para escrever aqui.

Explico: não é só a falta de tempo para si que nos tolhe a capacidade de viver, mas também e, principamente, a culpa. A culpa de não ser perfeita, de não ter a vida segundo a expectativa daqueles que somos ensinados a amar e respeitar.

A culpa por ter tempo livre e resolver ler ou dormir, por rejeitar pensar parecido com a própria família e assim ficar longe nos almoços de domingo. Por não ter sonhos de casamento, por querer ficar sozinha em casa algumas noites de sábado. A culpa por gostar do silêncio da casa, por não gostar de bordar, por não assistir TV, por não gostar de bichos fofos nem de salto alto. Culpada por fumar, por não fumar.

Sinto culpa por gostar de ler, por saber ler, por escrever. Culpa por muitas vezes não ter vontade conversar. Por receber amor e não saber retribuir. Culpa de querer sempre ir embora, fugindo da culpa de ficar.

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Blog recomendado: Literatura Nômade

Leia um trecho:

Você sonha em constituir um casamento heterossexual bem sucedido e levar seus filhos para passear no shopping? Você acha que pode conseguir manter-se num emprego medíocre para pagar vinte anos de prestação de um apê, depois aposentar-se e jogar dominó com outros aposentados na orla de alguna playa? Sente alivio quando entra no orkut e vê mais de duas mil pessoas fazendo parte de uma comunidade de Jovens Conservadores de Extrema Direita que não apoiam coisas consideradas “normais” hoje em dia? Você lê Veja e se considera uma pessoa bem informada? Você duvida que alguém pode dar um tiro na sua cara?

Recomendações: evite namorar psicopatas. Evite mandar assassinar terapeutas. Evite suicidar-se nos trilhos do metro. Não confunda cocaína com kundaline. Não compartilhe seringas. Não trepe sem camisinha. Conserve seu medo*5 Incentive a coleta seletiva de lixo. Não rasgue cartas com juras de amor. Tenha uma dieta balanceada e compre iogurte especial para conseguir cagar religiosamente no mesmo horário todas as manhas. Seja socialmente (in)útil. Vire o canudo. Dirija bẼbado mas não esqueça de andar com o suborno do policial. Não dê esmolas, faça doações a entidades de sua confiança e que já tenham experiência em administrar o caixa 2. Procure no google fotos das flores que nasceram no rio Tietê. Respire. Sinta o ar entrando suavemente pelos pulmões. Sinta uma energia de cor púrpura regenerando cada célula do seu corpo. Acredite na diversidade como base para a construção de uma cultura de paz. Redes de supermercados e lojas de (in) conveniências são iguais em qualquer não-lugar*6 do mundo. Abra os olhos e, antes de tentar acordar sonâmbulos e romper cortinas de silêncio, compre uma máscara de oxigênio.

Longe lugar bem feliz



Reparei que há muito tempo não escrevia nada que prestasse. Por que diabos? Ora, eu mesma estava um saco. Post curtos, sem graça, tristes, deprimentes mostravam uma nuvem cinza na minha cabeça. Eu dentro da nuvem, eu inteira cinza! CD, 27 anos, prostrada ou possuída?

Sem inspiração, dormindo muito, vontade levantar da cama? Nem. Boa psicóloga pra entender de loucura humana não sou, mas entendi: Menina, isso aí é sinal de alma doente.

Levantava todo dia arrastada. As horas passando devagar no relógio do computador. 2h, 5h, 10h seguidas. Alguns momentos bons, umas boas conversas com pessoas reais. Sorrisos verdadeiros pingando aqui e ali. Na maior parte do tempo, segurava meu sorriso duro no rosto. Os dentes cerrados.

Voltando pra casa, precisava dormir no ônibus. Energias pesadas abaixavam minhas pálpebras, e eu sem querer ia criando um intervalo fictício entre aquela vida, e a minha vida. Abria a porta de casa louca pra sair andar à toa, ficar na praça olhando os cachorros, ou apenas ouvir bons amigos sentada no chão de casa.

Entretanto, eram somente duas as minhas horas do dia. Só duazinhas... que dor que dá. Ver a vida escorrendo, água limpinha indo embora em ralo sujo. Olhinhos sem brilho nenhum dentro de ternos cinza-chumbo.

Doente da alma! O desgraçado que inventou terno era um doente e estava acabando comigo.

Mas, não sei ficar triste. Eu fico remoída, pensativa, querendo dormir o dia inteiro. E me dá assim sempre uma vontade ir embora pro Chile.

Juntei minhas trouxas, disse vários tchaus, daquelas despedidas que eu gosto de fazer, cheias de gente que deu prazer em conhecer. Beijos queridos, já fui faz tempo. Já não sou mais aqui, sou lá. Adeus!

O longe é sempre o lugar mais feliz do mundo: eu vou cada vez pra mais perto de mim.