Um desejo

"O que não sei lhe fazer com o corpo, guardo em minha mente. O que não sei tocar, lamber ou deslizar, penso. Com isso, ora vou disparar bla-bla-blás românticos, ora vou brigar em argumentos infindáveis. Mas e se eu conseguir falar com os lábios? E se lhe pedir para me escutar apenas com sua boca?" Gustavo Gitti, do http://nao2nao1.com.br

Se fosse possível desejar uma coisa para uma relação, eu desejaria jamais discutir ou conversar muito. Eu acredito na força e na eternidade da palavra, mas sempre preferi os livros aos saraus. Palavra declamada não é comigo.

Eu acho que nunca, nada, nenhuma só palavra sobre o amor vale mais a pena que a própria existência do amor. Uma existência em si mesmo. Um amor não dito, não explicado. Não há nada que eu possa dizer a quem amo, mas há infinitas coisas que eu possa fazer.

Posso te levar pra casa depois de uma bebedeira brava. Posso ouvir sua avó me contar como foi a vida dela. Posso deixar você dormir em paz. Esfregar meus pés nos seus. Cozinhar pra você.

Conheço muita gente que fala demais, e eu mesma sou um terrível exemplo. Porém, a cada dia quero mais silêncio, pois enquanto falo, não te beijo, enquanto falo, confundo, enquanto falo, calo outras coisas que fazem mais sentido.

O silêncio

Toda vez, é assim. Quando a vida urge, o blog cala.

Pode parecer que gosto de falar, mas não. Então se vivo plenamente, as palavras somem de mim. Minha energia fica concentrada na vida real e sumo.

Não é por mal, é simples: é preciso viver aqui fora. E tem vez que não dou conta desta vida dupla, de viver e escrever.

Tive vontade real de fechar o blog, tirar do ar, até os textos antigos. No fim, a preguiça e a dúvida não me deixam. São tão poucos os amigos leitores, mas tão fiéis, que resolvi ser fiel a vocês e deixar estas palavras virtuais ficarem onde estão.

Unhas roídas



Os melhores escritores que conheço eram pessoas angustiadas. O medo, a aflição geram muitos e belos poemas. Não sou poeta, não sei fazer canções. E a aflição não me guia nesta vida.

O medo, sim. Medo de ser feliz, especialmente. Medo de me olharem doído. Medo de fazer mal.

Criada com as freiras... eis no que deu. Uma imensa culpa católica dolorida, fazedora de textos. Fazedora de unhas roídas. De dentes roídos e camas amassadas. De textos censurados, apagados.

Pra se libertar eis a receita: sobre no morro mais alto, da cidade mais limpa e gelada. Respira tão fundo que se possa ouvir de longe. Quando o ar gelado se tornar insuportável dentro de você, GRITA.

O medo passa. Viu?

Carlos, sempre me salvando o dia...

Não se mate

Carlos, sossegue, o amor
é isso que você está vendo:
hoje beija, amanhã não beija,
depois de amanhã é domingo
e segunda-feira ninguém sabe
o que será.

Inútil você resistir
ou mesmo suicidar-se.
Não se mate, oh não se mate,
Reserve-se todo para
as bodas que ninguém sabe
quando virão,
se é que virão.

O amor, Carlos, você telúrico,
a noite passou em você,
e os recalques se sublimando,
lá dentro um barulho inefável,
rezas,
vitrolas,
santos que se persignam,
anúncios do melhor sabão,
barulho que ninguém sabe
de quê, praquê.

Entretanto você caminha
melancólico e vertical.
Você é a palmeira, você é o grito
que ninguém ouviu no teatro
e as luzes todas se apagam.
O amor no escuro, não, no claro,
é sempre triste, meu filho, Carlos,
mas não diga nada a ninguém,
ninguém sabe nem saberá.


Carlos Drummond

Filme



Ando de bicicleta como quem assiste um filme sem controle remoto nas mãos. Não dá tempo de voltar. Não consigo parar para ir ao banheiro. Entro nas ruas que me agradam, e também naquelas onde algo me dá náuseas. Corro a cidade na contramão, desviando de outros como eu, de pessoas andando lentas, crianças e bolas.

De vez em quando brinco de pilotar e rasgo o chão. Finjo que tenho dez anos e que aquelas três ruas são o que falta para eu chegar onde começa o arco-íris e onde moram os gnomos. Corro a roleta russa das esquinas: aqui no fim do mundo não existem outros carros, só eu.

Quase atropelo um velho. Ele mal se importa. Vejo as filas no hospital, coitados. Acelero. Vendedores à toa cuidam das portas e da minha vida. Pisco brincando. Ninguém me vê.

Entreabertos, vejo os bares e putas deitadas nas mesas de sinuca. Uma delas quase dorme. A outra, me olha e lembra que gostava de andar de bicicleta com aquele filho da puta do seu pai.

A areia me escorrega, derrapo. Mas continuo correndo e sentindo a cidade que corre em mim.

Namoradas



Tá certo que foi rápido, tá certo que era pra você ficar comigo. Mas terminar o namoro no dia 12 de junho não me pareceu a coisa mais certa a fazer. Ela iria te odiar pra sempre. Avisei. Não teve jeito. Acabou, você disse.

Inventei um rosto pequeno pra ela. Em meus pensamentos, ela era mignon, tinha olhos escuros e cabelos marrons, sempre me olhando meio ressabiada. Aquele dia nossa viagem de ônibus demorou, nossa carona demorou, e nossa tarde ia já acabando quando vi teus amigos pela primeira vez. Fumavam uns cinco sentados no chão. Bigode. O Pizza. Juca. Gordo.

- E eu sou a Ju-li-a-na - me disse com todas as letras bem pronunciadas, evitando o apelido, me olhando com olhos verdes imensos.

Era ela, então. Enorme. Ruiva. Preenchendo a calçada com um sorriso branco, largo e bonito.

Não tinha coragem de te olhar muito. Soltei minhas mãos das dele, como que por respeito. E você contava histórias pro pessoal, fumava e bebia com leveza. Estava se divertindo um pouco com meu mau jeito.

Precisava pegar uma cerveja, fazer qualquer coisa com as mãos. No balcão, minha garrafa já comigo, te olhei sentada no chão, o namorado mais ao longe espiando. Foi o tempo de respirar fundo e a garrafa explodiu. Em cima de mim. Acima de você. Muita espuma deslizando bonito e diretamente rumando pra sua cabeça ruiva. Não tive reação. Não me movi. Todos nos olharam esperando teus gritos e teus tapas. Eu corri os olhos para o rapaz, olhos arregalados do choque, tirou a garrafa da boca e permaneceu com ela aberta.

Olhei pra baixo em pânico. Ia se levantar. Ia gritar comigo. Ia sair chorando. Esperei tudo de você nos três segundos que ficamos paradas nos olhando.

Mas, você olhou pra cima e... riu. Gargalhou. Mostrou o resto dos dentes grandes numa risada ótima que quase me fez chorar. Eu me sentei na poça ao teu lado e rimos juntas, muito, pela primeira das muitas tardes que passaríamos juntas.

Eu aprendi a gostar de você e a sentir tua falta. Você aprendeu a respeitar o que acontecera, tirou a culpa de cima de meus ombros e me deu de presente uma amiga.

Lembra quando o namoro acabou? Te procurei pra dizer que agora sim, entendia você. E, bebericando sentada na tua cozinha, te falei:

- Poxa, cara difícil, não?
- Por isso terminamos - e sorriu.

Chegadas



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I

Enquanto chacoalhava migalhas de pão, me peguei pensando em você. Tão do lado, tão perto, e eu pensando abstrata. Eu dobrei a toalha da mesa com atenção, ergui os olhos e olhei através de você. Vi teu rosto refletindo o brilho da televisão. Te olhei inteiro, desatenta. Costas arqueadas na tua cama de flor marrom. Você olhou pra mim, sorriu e virou-se de novo. Um olhar de cinqüenta anos - pensei. Tua calma imensa me acudiu.

É estranho o dobrar-se. Num dia estamos negando a chave da porta. Estamos trancados, achando que isso é liberdade. Noutro dia arrombam nossa porta com um grampo de cabelo e nos vemos dobrando toalhas, dobrando-se ao meio, lavando cabelos, comendo do mesmo prato, brincando na mesma terra. Contemplo, silenciosa, o origami genial que você faz de mim desde que chegou.

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II

Apesar da tarde bonita e das pessoas ao meu lado, eu estava inquieta. Eu não sabia muito bem, mas o medo da tua chegada já estava entranhado em mim. Eu andava e olhava a multidão. Talvez você viesse. Talvez você apontasse. Talvez eu não soubesse o que fazer. Talvez você chorasse ao me ver. Me odiasse pela primeira e última vez.

Nem tão distraída assim, te vi. Você, não. Não tão longe, caminhava em minha direção certeira. Meu coração paralisou meu rosto, roubando-lhe o sangue. Pensei em fugir. Tinha um minuto. Meus olhos molharam e não consegui achar o caminho fora de mim. Não houve mais tempo pra bolar soluções malucas. Você estava a dois passos de mim e parou.

Te olhei por longos dois segundos. Você não desviou os olhos. Meu estômago retorceu de medo da tua coragem. Sentando no chão sem saber se ele ainda estava ali, te olhei fundo e disse a coisa mais besta do mundo:

- Oi. Que chinelo bonito este seu.

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Obrigada!



A todos que foram a festa, obrigada!

Pelos livros arrecadados, obrigada!

Pelo som lindo!

Pela lua linda!

Por tanta gente, tanta árvore, tanta poesia, tanto amor!

Sono

Hoje debaixo daquela árvore imensa, deitada com as pernas cozinhando ao sol, mãos cobrindos os olhos, ouvi pertinho uma sequencia bonita de notas. Não abri os olhos
imediatamente: adivinhei.

Os músicos todos que me desculpem, mas trompete ainda continua sendo o instrumento mais bonito que conheço. O moço ensaiava ao sol, a partitura na estante voando, uma cara concentrada. Ao longe, uma guitarra acústica soava brasileira. E eu me ajeitei no banco, pus a mochila embaixo da cabeça, deitei e dormi um sono de anos.

Enquanto dormia, sonhava que as folhas que caiam sobre mim eram bençãos e que aquele trompete ali era a forma de deus existir e me lembrar que nada, nada tem importância maior que estar viva. E pronto.

Só por hoje, nada, nada tem qualquer importância. Eu sorrio sonhando e o trompete toca até o fim dos tempos. Acordo e faço uma lindissíma tarde de inverno nascer em mim.

Coisa antiga publicada!

Pessoal, o Some Madeleines continua de férias. Mas publicaram um texto meu no Jornalirismo.

www.jornalirismo.com.br

Abraços felizes direto de Capão Bonito!!!!

Agora é paz, amor e pé na estrada.

Carol

E fecham-se as cortinas...



Aos leitores de sempre, não se preocupem. Estarei de volta em breve.

São só uma espécie de férias, por tempo indeterminado, de minha existência fora de mim mesma. Até da virtual.

Pé no freio

Sempre odiei ir ao médico. Acho estranhíssimo jogar substâncias que minha avó não sabe dizer o nome para dentro de mim. Antes de morrer, meu avô assustado de estar em um hospital pela primeira vez em 82 anos, ainda perguntava: mas este comprimidinho aqui vai fazer o que dentro de mim? E este raio-x, estes raios vão entrar em mim?

Eu também tenho minhas dúvidas quanto a medicina. Sempre achei que, se de fato respeitasse meu corpo, fosse ativa, tomasse este sol gostoso lá fora e comesse menos, com certeza seria muito mais saudável e nunca ficaria doente.

Porém, nós testamos o limite do corpo. Somos jovens, e achamos que a juventude é eterna. Bebemos até destruir o fígado, comemos todas as carnes mais deliciosas, todos os doces mais fortes, cafés, cigarros... e queremos que tudo funcione normalmente.

Faz um mês que estou me sentindo mal. Cada hora é uma coisa. Estômago, cabeça, garganta, tosse, pulmão, dor no corpo. Eu nunca digo que estou doente, eu prefiro dizer que não estou me respeitando. Temos nosso tempo de recuperação. Temos que dormir, comer direito, fazer coisas bobas como ir ao parque e deitar no chão olhando as águas se mexerem com o vento.

Que sensação maravilhosa tive ontem ao ir embora do bar sem beber ou fumar nada, deitar na cama e dormir por 12 horas seguidas. Meu corpo agradeceu feliz.

Cenas de teatro

Cena 1

Tu vem ou não vem? Promessas demais as tuas. Muitas. Te esperei ontem. Hoje, de novo? Nem pensar. Venha e pronto. Ou não venha, e pronto também. Muita coisa acontece quando você não está aqui. O quê? Nada. Nunca está aqui, e ainda quer saber o que acontece? Pois viesse e saberia. Sair? Saí sim, ontem. Choveu demais. Desaguou o céu e não consegui ver a peça. Não me lembro direito sobre o que era também. Fui sozinha sim, mais ou menos. Que foi? Ué, não posso evitar de ver as pessoas na rua. Não, você não conheceu. Não falei com ele, só o vi. Sim, era ele. Como assim não falei? Só olhei. Olhamos. Aí caiu a maior chuva. Não deu tempo de falar. Romântico? É, um pouco. Se você estivesse aqui não teria sido nada bonito. Sim, ônibus às quatro horas. Te espero. Tratante.

Cena 2

Calma, ele não vai vir de novo. Tá bonito, como não? Nunca te vi usar sapatos. A peça parece que é boa sim. Disseram. Parece que hoje não chove, só está meio cinza. É, cenas assim não se repetem. Imagine, ele não vem. Veio ontem já. Para de se preocupar tanto. Olha pra mim. Me beija. Estava com saudades de você.
(...)
- É ele?
(...)
Sim. Mas você é tão mais bonito.


xxx

(Sem título)



- O cara é um anarquista petit burgeoise. - enunciou como se eu entendesse alguma coisa. Eu só estava dizendo que o livro era chato, que o café era bom, e que o tempo parecia que ia mudar. Passei uma tarde inventando frases para você continuar sentado naquele sofá branco. Estava com medo danado de você me chamar para ir embora e eu ter que entrar naquele apartamento pequeno.

Guardou o livro na sacola e se levantou. Enfim, era a deixa.

- Vamos? Lá em casa faço mais café. A gente pode ouvir alguma coisa também. Chegaremos antes que chova.

O rapaz morava num lugar estranho e era preciso um molho de chaves enorme para abrir as várias portas. O velho elevador sacudia um pouco, a porta se abria num tranco.

Entramos numa sala toda marrom, uma toca de livros e coisas marrons. Alguns retratos de família, uma avó, um pai e um quadro do rosto de um homem marrom. Enquanto ele procurava a lata de pó de café, acendi um cigarro na janela.

Voltou, com uma mão tirou meu cigarro e enfiou no cinzeiro, e com a outra me segurou pelos cabelos e me deu um beijo. Um beijo esperado, meio consentido, seco, curto. Um beijo esquisito. Com as duas mãos geladas, tirou minha blusa de lã e me puxou pro sofá. Levantou minha saia e fez tudo num silêncio tão intenso que eu podia ouvir as marteladas da construção em frente enquanto ele estava em cima de mim.

Educadamente, pegou meu cigarro de volta, acendeu novamente, e me deu.

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Deságua



Sentada no chão gelado, úmido ainda da última chuva, conversava amenidades na fila do teatro com uma amiga. A peça era de uma companhia de São Paulo, e a fila descia toda a rua, imensa. Casais, grupos de jovens novinhos, atores, músicos passavam. O tempo escuro, anunciando tempestade, criava um clima triste e gentil. Falávamos pouco e baixo.

Olhei longe, distraída. Pensei ter visto o velho carro cruzar a rua. Nosso velho carro azul. Sacudi a cabeça – bobeira. Aquele lugar tinha sido tantas vezes nosso, sempre os dois sentados naquela pedra fria, esperando. O tempo cinza, a umidade, o cheiro de mato e água, tudo aquilo junto estava me trazendo lembranças involuntárias tuas. Chuva, teatro, poesia e fantasia sempre seriam você e eu para mim.

Levanto, a fila faz menção de andar. E, neste momento, vejo teu andar conhecido subindo a rua. É você, sem dúvidas. O mesmo par de óculos, as mesmas mãos grandes e o andar de quem não tem pressa. No momento imediato que te vejo, todo meu corpo se retesa. Uma tensão delicada me invade, entrelaço meus dedos. Minha respiração fica presa e meus olhos umedecem, secam, umedecem. Você vem subindo lento e me vê. É o velho sorriso que te sobe aos lábios. Você pára no meio fio a minha frente. Teus olhos por trás das lentes me olham por dentro. Dez centímetros e muitos anos nos separam. Minha face queima penetrada por tanta história viva, revivida, ali, em dez segundos. Não falamos nada. Sorrimos. Não há nada para ser falado. Não há abraço, não há um cumprimento. Há um olhar absoluto. Uma atenção absoluta. A atenção tão reclamada pela meditação: um estar presente perfeito. Um sorrir se contendo para não ser derramado por palavras desnecessárias. Um sorrir sem dentes e sem palavras.

De repente, uma chuva imensa derruba o céu. Tanta água desaba em mim e tanto riso. Não há tempo para nada. Corro como correm todos, desordenadamente, em direção à marquise do teatro. As pessoas riem, se olham. Molhada, estranha, silenciosa, olho ao redor e te procuro. Você não está mais ali. De longe, te vejo descer a rua com calma embaixo da chuva.

Sinto meu corpo acompanhando os outros, entrando no teatro, sentando na poltrona. Já consigo ouvir a trovoada dentro de mim se transformando numa chuva fininha e bonita.

Respiro devagar: sei que é preciso ter coração ainda amanhã cedo. Aprendi com você a tomar banho de chuva e a viver pela beleza.

Tanta beleza, tanta, e é tanta até hoje, que haja força, amigo. É preciso ser forte para não se derramar.

Gente que diz

XXXIX - O Mistério das Cousas


O mistério das cousas, onde está ele?
Onde está ele que não aparece
Pelo menos a mostrar-nos que é mistério?
Que sabe o rio disso e que sabe a árvore?
E eu, que não sou mais do que eles, que sei disso?
Sempre que olho para as cousas e penso no que os homens pensam delas,
Rio como um regato que soa fresco numa pedra.
Porque o único sentido oculto das cousas
É elas não terem sentido oculto nenhum,
É mais estranho do que todas as estranhezas
E do que os sonhos de todos os poetas
E os pensamentos de todos os filósofos,
Que as cousas sejam realmente o que parecem ser
E não haja nada que compreender.

Sim, eis o que os meus sentidos aprenderam sozinhos: —
As cousas não têm significação: têm existência.
As cousas são o único sentido oculto das cousas.



Alberto Caeiro

Desperdiçando



Quando eu era adolescente me perguntavam se eu seria jornalista, advogada ou professora. Que gente sem criatividade!

Depois de adulta, já quis ser várias coisas bem mais legais, li livros melhores e conheci gente mais interessante. A mente se expande. Só a coragem continua menina boba.

Depois destas andanças aí, coloquei duas carreiras no top mind profissional pra mim. Prometo que vou trabalhar a partir de hoje, diferente. Serei, pela manhã, luthier, e a noite, sambista.

Eu adoro música, e sempre fiquei por aí às volta com violões e caixas alheios, pois não levo jeito nenhum pra tocar. Amo ouvir. Amo as estantes sempre caindo e as partituras espalhadas. Amo as lojas de instrumentos vintage. Adoro o barulho dos palcos ao andarmos neles.

Porém, nada é mais sexy, mais interessante e mais curioso do que a sala de um luthier. Aqueles pianos todos desmontados - pavor de juntá-los todos! Irão caber de volta? As guitarras serradas sem medo. Braços, cheiro de madeira, pedaços de cordas pelo chão. Martelinhos de todos os tamanhos nas bancadas. O ouvido colado na barriga do instrumento. No dia que entrei numa luthieria pela primeira vez decidi: é isso!

- Existe mulher luthier? - perguntei.

Isso aí vai bastar para metade do meu dia. Consertarei instrumentos. Lixarei a madeira. Ficarei cheia de serragem nos cabelos. Depois, vou passear nas ruas - porque as tardes possuem os minutos mais lindos do dia.

À noite, serei uma sambista porreta. Natural: daquelas que nascem com a garganta pra música e os quadris pro samba. Não existe mulher mais linda que aquela que canta samba. Terei porte de rainha e sorriso gigante, rodeada dos amigos ritmados e tranqüilos.

É isso. Está decidido. Tanto vestibular desperdiçado...vidas inteirinhas olhem só. Pra ser feliz bastava ser luthier de dia e sambista de noite.

Reencontros II

Quando começamos um relacionamento, estamos sempre de olho na pessoa a nossa frente. Ele é sempre o mais interessante homem do mundo. Quase nunca pensamos que junto com ele, outras pessoas estão incluídas na relação. Amigos, avós, parentes, pais, filhos, irmãos, amigos do futebol, passado e futuro.

Eu sempre ganhei novas famílias. Ganhei avós. Novas mães postiças, sobrinhos, cunhados crianças, sogras tristes, alegres, religiosas, descrentes, malucas, pais separados, juntos, tias que eram quase mães, afilhados.

Ultimamente, ando num momento feliz de reencontros. Hoje, revi os queridos Antonio e Íris, primeiros sogros que tive e por mais tempo. Que felicidade tive ao rever vocês! Meu coração apertou e segurei pra não chorar.

Quando cheguei na casa deles, em 1997, era uma menina difícil de apenas 16 anos. Saí de lá uma quase mulher, quatro anos mais tarde, mais tolerante, mais amorosa, mais humana, mais musical. Eu tão diferente, e tão aceita. Adorava o brigadeirão de chocolate dela, uma mulher sempre cantando. E adorava discutir política com meu sogro. Conversávamos naquela mesa de madeira por horas, lendo os jornais espalhados. Ele conhecia a Bíblia como ninguém e eu, dentro do meu ateísmo, tinha as melhores conversas sobre religião.

Quantas mil vezes me levou em casa, Seu Antonio? Quando terminamos nosso relacionamento, eu e seu filho tínhamos resolvido tudo. Porém, o que fazer com vocês? A gente sabe que é hora de deixar todos pra trás, mas é tão complicado e tão injusto.

Fui visitá-los, sozinha, pela primeira vez. Sua casa não era mais a mesma, mas vocês ainda estavam lá. Entrei, conversamos. Ao sair, você pediu pra me levar. Entrei em silêncio, uma tristeza de doer os dentes.

No meio do caminho, você parou o carro, me abraçou e chorou.

Velho poeta novo



Tenho amigos literários, graças. Não literatos, daqueles chatos que ficam discutindo a influência de Homero em Shakespeare. Ora, vão ler Homero e Shakespeare e fiquem quietos. Detesto discussões literárias, e tenho pavor de pessoas que, ao saber que gosto de ler, se põe a "discutir" literatura comigo. Eu não leio autores, eu me inundo de palavras e mundos novos. Para mim, melhor é o autor que mais me assusta. Ou encanta. Ou faz algo que nunca vi, torce as palavras, me mostra imagens que nunca vi ou vivi. Lêem o mundo de uma forma que nunca aprendi a ler.

Tenho tanta dificuldade em lembrar nomes de livros e de autores quanto tenho de lembrar o rosto de pessoas com quem dancei. Eu me lembro fortemente da sensação de trincheira, de gente entocada, uma sensação de medo e brevidade da vida - que senti ao ler Grande Sertão. Mais que isso, me lembro da exposição que fui e dos potes de água com palavras reviradas no fundo. Agora, vamos discutir se o Rosa merece um Nobel? Ora...Sartre recusou o Nobel. Isso sim é poesia.

Os livros são para serem lidos. A única coisa que me permito comentar sobre eles é sua beleza ou feiúra. Por exemplo, gostei muito de Hemingway e de Fitzgerald; porém, é preciso lê-los juntos, vários livros intercalados, um e outro, um e outro, e nos intervalos assistir um documentário sobre a construção do Empire State, homens-operários em preto e branco se balançando nas estruturas. Mal me recordo dos nomes das obras mas...quanta beleza!

Hoje estou feliz porque li pela primeira vez Mário Quintana.

Eu fico pensativa em manhãs frias e cinzas. A mente amanhece vazia - sou uma pessoa das manhãs ensolaradas, facilmente influenciada pelos tons do céu. Agora, meu pensamento é delicado e bonito, graças ao velho novo poeta que descobri.

Foi diante deste pequeno texto que este aqui, maiorzinho, surgiu.

Bilo-Bilo

O idiota estilo bilo-bilo com que os adultos se dirigem às crianças, isso deve chateá-las enormemente, como a um poeta quando abordado com assuntos "poéticos".

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* Cuidado com a internet...têm muitos textos voando por aí que não são do Quintana e estão assinadas com o nome do gaúcho.

Sites confiáveis:

Homenagem do Governo do RS a Quintana

Releituras - Quintana


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Melhorando



Uma vez menti dizendo que sabia cuidar de crianças. A mulher, desesperada, deixou três comigo. Uma tinha quatro anos, a outra dois e a última ruivinha quatro meses. Em uma semana eu sabia brincar de Barbie e fazer boneco de neve, cantava músicas e inventava coreografias no meio da sala, lia história no banheiro tentando convencer alguém a deixar as fraldas, todo dia, por uma hora inteira sentada no chão (e eram somente dois livros de dez páginas que ela queria ouvir). Sabia fazer os peixes de plástico nadar na banheira, e dar banho em bebê na pia. Tudo isso é instinto e um pouco de jeito de matrona italiana que herdei dos parentes.

O que achei meio esquisito foi o que aconteceu depois. Sozinha com elas, eu me sentia a pessoa mais responsável, maior, mais alta, imensa, mais esperta, mais rápida, mais cuidadosa. Eu criei mil olhos novos. Lembrei de músicas infinitas e tantas histórias que não cabiam aqui. Eu não sabia que ter crianças por perto fazia a gente ser uma pessoa melhor. Eu não sabia que era possível amar tanto coisas tão pequenas.

Com elas, aprendi que se a reunião em família está insuportável, procurar a criança por perto costuma funcionar como analgésico pra chatice dos adultos. Sempre há diálogo dos bons com os pequenos, corridas e brincadeiras muito mais interessantes que a nova crise no Senado. Em minha família quase não temos crianças - temos uma! Nos EUA. E assim nunca convivi com elas direito.

Enfim, há pouco tempo minhas amigas mais próximas começaram a ter seus filhos. Tentava me adaptar a nova realidade dos assuntos, às lojas de bebês, aos chás de bebês, ao fim das nossas saídas. Eu sempre tive medo da gravidez e as olhava, olhava... apavorada. Não estava muito confortável com tantas mudanças.

Um dia, grande amiga em casa, barriga imensa no meu sofá. Eu olhando pus a mão. Miguel me deu um chute forte. Comecei a chorar feito besta: não é que tinha uma pessoa ali dentro que eu nem tinha visto e já amava?

Não vejo a hora de ter mais crianças por perto. Ser tia é tudo de bom.

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* Dedicado às amigas que já são mães, e me deram de presente pessoas impossíveis de não amar.

* Na montagem, primo Lucas (da Lili), Miguel e Maria Rita (da Fabi), e Kaká (da Lã).

Análise gratuita no MSN



- Vc é igual poodle.
- Eu sou é?
- Tá lá, todo bonitinho e simpático... hora q vc começa a fazer muito carinho, te dá uma dentada e sai andando.
- Pra que psicólogo, se tenho vc?
- Sério, e acho q nem é q vc morde pq enjoa do carinho, é q vc gosta mesmo é da mordida
- De onde vc tirar estas coisas?
- Interpretação não-científica. Não vem me perguntar onde eu pesquisei.

FLIP - PARATI PARA TODOS

Não ligo muito pra FLIP, mesmo porque ler os caras ainda é melhor que vê-los (fora o Chico, que eu já vi cantando - bem melhor). Mas lendo este post aqui, de um colega de blog, realmente dá pra sentir o clima estranho da festa.

Eles são poetas, vivem da venda de seus livros nas ruas, de mão em mão, e foram autuados e tiveram seus livros apreendidos em PLENA FEIRA LITERÁRIA. É mole?

Vejam:

FLIP PARA TODOS

"Trair é partir para o desconhecido." - M. K.

Eu não tenho muitas amigas mulheres, e os homens não costumam reclamar de traição. Então poucas vezes tive contato com este universo, que realmente me parece ser de um drama ímpar.

Eu fui sim, traída. O engraçado é que digo na maior naturalidade: eu nem sei o que é isso. Falei da minha péssima memória no post passado, mas não é este o caso. É que a traição nos casos que as vivi foi tão justificável, que hoje olhando até acho graça, ou até acho romântico e bonito. Nenhuma foi sacanagem, nenhuma foi boba. Foram traições justificáveis e esperadas.

Uma vez, depois de tantos anos juntos, nos separamos alguns mil quilômetros. A distância mata o amor: faz falta o estar perto. Os olhos fazem falta. Eu sabia e esperamos ambos pelo fim. Ele veio de uma forma poética, densa, bonita e fria das montanhas de Minas. Tinha nome de música do Jobim, tinha cartas jogadas no chão, tinha choro, tinha amor, tinha música e tinha uma nova paixão. Justa. Bonita. Verdadeira. Segui meu caminho em paz.

O outro era drama de novela. Tinha uma relação que nunca acabava, mesmo já estando acabada mil vezes. E teve uma aluna minha, bonita e inteligente, que apresentei ao namorado. Ela me adorava. E adorou ele também. Era excelente, curiosa, alegre. Já no colo dele, foi tapa pra tudo que é lado. Mexicano. Novelesco. Fizemos as pazes em seguida, pois o casal realmente era ótimo junto. Enfim, meu problema agora era dela.

Conheço pessoas que já sofreram demais por traição. Por isso, não consigo achar sempre romântica. Respeito é bom. Respeitar o outro e a sua própria vontade também. Quer trair, some. Ser solteiro é bom, mas ser bem casado também.

Desligando

A memória é coisa dos diabos. Eu herdei a falta dela de família. Meu pai sempre diz que não consegue lembrar de nada da vida dele, nem da de ninguém. Eu, parecida, não aprendo com os erros, não decoro nada, não lembro de coisas ruins e lembro pouco das boas, além de ter a mania constrangedora de esquecer rostos e nomes. Mil vezes me apresento ou cumprimento a mesma pessoa.

Eu vivo sempre em algum lugar distante, passado ou futuro, sem jamais focar no presente. Nunca temo o presente ou presto atenção nele.

Talvez por isso esta necessidade de viver a mil por hora, de imprimir marcas fortes em mim, e contar, contar, contar tantas histórias. Através de tanta intensidade, eu estou tentando é não deixar a minha própria existência deixar de existir.

Hoje voltei a ler Proust e sua obra prima: é simplesmente a coisa mais perfeita que já toquei os olhos literários. Cada linha merece cinco minutos de pausa. Leio poucas páginas, volto dez frases atrás várias vezes. É somente na literatura que me sinto mergulhada no presente.

Twwiter



Sinto-me rendida à tecnologia: um blog, 3 emails, currículo Lattes desatualizado, Orkut , MSN, 2 skypes, álbum de fotos Picasa, músicas somente virtuais, ICQ e agora...


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Megabytes... tende piedade de nós.

Homens: mini manual para entender estas incríveis criaturas



Criada sempre perto de rapazes e meninos, acabei achando que os homens são criaturas mais simples que a gente. Ao menos, parecem. Se a bunda é bonita, que mal olhar? Obama e Sarkózy que o digam. São animais de caça, como os cães, simples e bons. Fiéis, não às mulheres, mas aos próprios instintos. Divertem-se mais e parecem ter menos culpa que nós.

Agradar um homem é coisa fácil. Não é preciso enrolar ninguém, mentir pra agradar, pagar jantares. Podemos ser bastante diretas, com poucas chances de ouvir um não. Agora pense em agradar uma mulher... meus amigos homens só apanham. Nós meninas somos retratadas por tantos clichês bobos, que os homens ficam perdidos diante de tantas "dicas infalíveis".

Muita mulher se irrita porque sou a única mulher a defendê-los. Defendo os homens e sua simplicidade em relação ao amor e sexo. Entendo por que não ligam no dia seguinte. Entendo por que dormem conosco e somem. Entendo quando se apaixonam e têm que abrir mão desta liberdade boa. Não os recrimino. Estão sendo verdadeiros, ao menos consigo mesmos. Esta forma minha de pensar acaba abrindo brechas para muitos amigos me dizerem a verdade. Assim, fico conhecendo tantos homens incríveis, lindos, educados, com lindíssimas namoradas, levam o cão da sogra no veterinário, têm filhinhos fofos e saem chorando na foto da maternidade... e são os mais putanheiros do mundo. Nada contraditório. Tudo se arranjando e posando de bonitos maridos e namorados. A mulher feliz, a outra feliz, o cara feliz. O mundo girando.

Não que nunca tenha sido sacaneada. A diferença é que eu não espero nada porque não tenho grandes fantasias de relacionamento. Acredito no amor, já amei muito (muito profundamente, não muitas vezes), já fui muito respeitada também. Porém, sei que não é esperando nada de ninguém que atrairemos pessoas decentes pras nossas vidas. Não é a fantasia que vai trazer pessoas boas para nossa convivência, mas talvez a sorte.

Jornalirismo

O pessoal do Jornalirismo publicou mais um texto meu no site deles. Obrigada, Wellington, pelo super apoio. Adoro estar lá com vocês.

Vai lá: JORNALIRISMO-LITERATURA

PS: Obrigada também pelos comentários ótimos do último texto. Ter família e amigos é tudo!

Vc é H ou M? Quer tc?



Da nossa ultraexposição no mundo da internet todos já falaram demais. Estamos completamente conectados e expostos. Tentem procurar a si mesmos: a gente acha quase tudo que precisa saber. E também lê coisas que não precisava e que enchem qualquer paciência.

Toda vez que conhecemos alguém novo toca fuçar no Google, orkut, Twitter...Dá pra ver os dez mil recados de mulheres bonitas para um cara galinha que distribui alegria ao povo, dá pra saber se estão prestando concursos públicos, se já moraram fora do Brasil, se gostam de animais de estimação, e se realmente ouvem AC/DC.

Mas a pior exposição que conheço é a da paixão. Vocês se conhecem num domingo. Ele te dá o MSN e o orkut. Telefone, talvez. Te manda um SMS apaixonadinho de madrugada. Segunda-feira começam a trocar mensagens bobas. Primeiro por depoimento - vai que ele não gosta da exposição. Depois, mais solta, deixa mil recadinhos fofos no orkut dele demarcando território feito bicho.

Quando o namoro começa, muda teu perfil e coloca uma foto linda do casal apaixonado, de preferência em preto e branco. Pedaços de mãos e rostos entrelaçados. Parece que o amor tem que declarar sua existência para além da tua realidade e da dele, a dos amigos, dos parentes. Tem que acontecer na Internet! Se o amor não existir virtualmente, não deixar marcas no Twitter, não arrebentar tua caixa de mensagens com fotos de beijos mandados de longe aí o amor não parece real. Nem pra você. Você se convence enquanto convence os outros.

Agora, irritante é quando vocês dois terminam. Na vida real, dois minutos, adeus, não te amo mais, você saiu com minha prima seu FDP. Aí toca correr para eliminar o amor virtual e seus rastros. Primeiro, tira a mensagem "casado" que havia colocado no orkut. No lugar, não deixa nada (magoado) ou coloca logo "solteiro" (querendo sair pra balada - ou parecer que vai sair). Arranca pastas inteiras do álbum, fotos que haviam tirado na praia, piscina, na rede, com o cachorro, na cama, se beijando no pôr-do-sol. No MSN então...eu sofro com as mensagens de dor alheia. "Melhor só que mal acompanhado" - é a preferida dos recém-solteiros. E nós ficamos sabendo de todas as etapas da raiva amorosa.

Depois destas coisas mais básicas, é bom também procurar umas comunidades para expressar sua raiva. "Ex bom é ex morto". "Já amei e fui magoado". "Quem ama não trai". "Solteiros bons de cama". Enfim, a batalha do amor terminado continua no mundo virtual por mais um bom tempo. Até o próximo amor...encontrado numa sala de chat da madrugada: Solteiros 25-35.

Quer tc?

Histórias - fragmentos amorosos



Manu nunca tinha namorado. Um dia, sentiu que era hora de se libertar. Deixou de alisar o cabelo, pôs um batonzão rosa e resolveu sair pra dançar sozinha. A noite inteira pulando. Do outro lado da pista, um rapaz bebia quieto. Sem pensar muito, arrastou as sandálias até ele e falou com sotaque nordestino forte - Tu vai sair comigo hoje ou agora? E lá se vão seis anos bem grudados.

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Nando conheceu Maria numa reunião de partido. Ela tinha uma risada indecente de alta. Ele, sem ter onde dormir naquela noite paulistana, pediu abrigo da militância: "questão de ordem". Ela ofereceu o sofá da casa. Ele acordou cedo pra fazer café. Já faz uns cinco anos que eles dividem o sofá, a cama, a casa, a panfletagem...

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Laura chorou todos os meses de férias da escola, quando seu namorado de longos anos anunciou que engravidara outra mulher e teria que se casar com ela. Medrosa ainda, chegou atrasada no primeiro dia de aula depois do fim de ano fatídico. Entrou na sala com os cadernos nas mãos, pedindo licença ao professor. Ouviu então um assovio ridículo: um garoto, muito mais novo e completamente sem noção estava mexendo com ela na frente de todo mundo. Todos caíram na risada. - Que idiota completo! - pensou. Onze meses mais tarde, entravam na igreja de branco e azul marinho. De longe, ela o vê no altar de terno, bonito... mas de meias brancas!

- Que diabos, que meias são essas?
- Michael!

Ainda ontem, trinta anos depois, eu o vi matando ela de vergonha enquanto imitava o cantor no meio de uma quermesse.

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Sonia nasceu em fazenda, cidade bem pequena. Bem cedo, saiu sozinha para enfrentar a vida em São Paulo. Um dia, feriado, visitando os pais no interior, foi a um baile. No meio de tantos conhecidos, um cabeludo, baixinho de enormes bigodes olhava sem parar. Conversaram. Dançaram. Foram saber que ele era seu vizinho na cidade grande e passava férias ali a convite de um conhecido. Eles têm o casamento mais bonito que conheço, e há quase quarenta anos dançam no mesmo baile, igual ao dia que se conheceram.

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Uma homenagem a todos aqueles que ainda acreditam no amor e aqueles de quem emprestei suas histórias para este post. Você tem boas histórias? Me conta.

Reencontros



Eu não me lembro da minha primeira mudança. Eu tinha 4 anos e uma mãe e pai aventureiros. Nós, mais um irmão de colo, em 72 degraus para chegar até o quarto andar chegamos onde eu passaria toda a minha infância.

Das memórias mais consistentes que tenho daquela época, brincadeiras e amigos.

Ser criança de prédio não tem nada de ruim. Ao menos, no meu não tinha. Éramos um grupo imenso de meninos e meninas gritando nomes nas janelas, tocando a campainha dos outros e correndo para todo lado, se pendurando em bicicletas, patins, caindo, se machucando, quebrando braços e dedos, brincando na areia, escorregando na grama, e correndo, correndo, correndo.

Tinha o velhinho implicante que no fundo adorava a gente. Ele construiu um banco de madeira para os vizinhos olharem a rua e conversarem. Sua mulher também bem velhinha tinha um jardim de rosas só dela - e nos deixava pegar uma flor somente uma vez por ano, no dia de Nossa Senhora Aparecida, para entregar na igreja.

- Ca-cá!
- Tô descendo!

Uma vez, brincando de esconder, corri atrás de uma rampa e não vi um cano. Arrebentei ele com as costas. A água jorrou. Voou em cima de mim muito forte mesmo, me jogando pro chão. Encharcada, fui chamar o zelador chorando. Éramos muitos e muitas as confusões também.

Tinha pequenos grandes amigos. As lembranças mais forte que tenho são cinco deles: Helô, Lã, Sil, Danilo e Caio. Com as duas primeiras, nunca perdi o contato. A terceira, reencontrei este mês passado, quando comecei uma busca pelos meninos e acabei achando a Sil. Os dois últimos, reencontrei hoje.

Todas as brincadeiras do mundo cabiam ali naquele prédio, e toda minha memória afetiva ainda cabe.

Hoje é um dia feliz, porque quando reencontramos nosso próprio passado, é como se olhar num espelho e ele te dizer: menina, você cresceu.

Graduações



Lendo hoje o post do Rubens Paiva sobre o diploma dele pendurado em cima da privada, me identifiquei à beça. Quem já não teve vontade jogar o seu pela janela?

Quando tinha uns 10 anos eu já sabia muito bem o que queria fazer: eu queria ser paga para ler. Precisa fazer faculdade para isso?

E lá fui eu prestar vestibular para Jornalismo. Eu, que não ligava tanto assim para o jornal, a não ser a parte das histórias em quadrinhos, no fim do ano enrolei a prova toda, e não passei. Satisfeita, voltei a estudar.

No próximo ano decidi que era Letras o que mais tinha a ver comigo. Estudei tranqüila. Como já contei aqui, no final do ano, uns contratempos me levaram a preencher minhas fichas com Ciências Sociais e Administração Pública. Acabei passando na grande tríade paulista: USP, Unesp e Unicamp, para alegria geral da família, que não teria que pagar o curso. Fui para a Unicamp por uma questão qualquer.

Não digo que não foram bons tempos. Uma faculdade grande e respeitada tem algumas vantagens interessantes. O movimento estudantil é uma delas. Você aprende um pouco ali, aprende com as greves. Os alunos, bastante parecidos com você, te fazem sentir menos estranho no mundo. Lembro da facilidade que era conversar sem precisar explicar muito. Nossas esquisitices eram bem semelhantes. Não tenho amigos da faculdade cujo local preferido não seja uma livraria.

Dos 24 professores que devo ter tido, guardo 5 com excelente consideração e memória. São pessoas brilhantes, disponíveis, que sabem atear fogo intelectual em nós, provocando uma corrida à biblioteca pós-aula.

Para ser socióloga, afinal, não precisava ter freqüentado uma universidade. Bastava ter lido muito, discutido muito, ter tido ótimos companheiros de discussão, e acesso à 200 mil volumes, como tínhamos em nosso Instituto.

Meu diploma serviu sim para algumas coisas: encontrei excelente amigos e conheci maravilhosas bibliotecas. Namorei muito, fui a muitos shows, consegui uma bolsa gratuita para estudar no Canadá.

Em 2005, mais maluca que nunca, passei na USP em Letras, com tanto atraso! Larguei o curso em seis meses...nunca mais alguém ia me dizer como ler as coisas.

Zap!

Tem dia que a gente tem vontade enfiar a cabeça no pote de manteiga e ficar lá. Respiração presa, cabelo engordurado. Um enorme pote, dez quilos da mais densa manteiga. Um silêncio amarelo imenso.

Nadar numa piscina de molho de macarrão também é vontade recorrente. Eu nado bem direitinho. De costas, então, seria uma lindeza vermelha, as pernas compridas e brancas pra fora, espirrando molho. Eu rindo de mim.

Tem dias que mais um dia sentada no sofá zapeando os cem canais estúpidos e falantes falando coisas demais em tempo recorde me faz ter vontade vomitar, enfiar a cabeça no pote, nadar no macarrão. Delírios zapeantes.

Partidas



Eu tive dois avós de mesmo nome. João e João. Os dois nascidos em fazendas no interior, netos de italianos. Um alto, forte, moreno cor de chocolate, e quieto. São Paulino. Outro branco cor de rosa, claríssimos olhos azuis, careca, e falante. Palmeirense.

Os dois trabalharam pesado em fábricas quando moraram em São Paulo. Nunca tive tempo de perguntar o que faziam lá. Os dois me davam doces quando me viam. João trazia suspiros, bolachas e refrigerantes. O outro João me oferecia rapadura e doce de leite. O lugar preferido de um era a mesinha de sua cozinha e os consultórios médicos. O do outro, sua cadeira na varanda e os campos de bocha. Os dois, amantes dos pequenos bares de bairro, para irritação de toda a família.

Um teve três filhos, sendo um deles, o caçula, meu pai. O outro teve cinco filhos. A do meio, minha mãe. Sem os dois, eu não seria esta teimosa que sou, nem gostaria tanto de cana-de-açúcar. Não teria me tornado socióloga rural. Não saberia que é possível aprender a andar de bicicleta aos setenta anos, ou que é existem pessoas que nunca tinham visitado um médico na vida - porque nunca havia sido preciso.

Há um ano exato, vô Zico partia sem avisar, sem chance alguma de despedida. Porém, conseguiu reunir a família toda ao redor do seu caixão, para selar uma paz há tempos reclamada por todos. Ele me fez encarar a mortalidade de todos que amo, pela primeira vez na vida.

Uma semana atrás, vô Joâo reuniu a família inteira ao seu redor dentro de um hospital, para preparar sua partida. Apertou minhas mãos e as mãos de cada um, sem soltar, por horas. Ele me deixou aprender como é ter uma família unida na pior hora, e como é importante ter tanta gente cuidando de nós. Me fez ver também que somos mais fortes do que imaginamos, e mais frágeis do que pensamos possível. Resolveu partir ontem, no dia de aniversário de morte do outro avô que tive.

Ficamos nós, cada vez mais mulheres, e mais unidas.

Santa Rosa



Não faço a menor idéia que santa é Santa Rosa. Nunca fui muitos ligada aos santos. Porém, sempre fui muito ligada à cidade de onde vim.

Aqui, ficaram todos os meus parentes mais antigos, todas as raízes, todas as pessoas que me conhecem desde que nasci. Foi aqui minha primeira casa. Meu primeiro vestido.

Hoje a vida está ao contrário. Estamos começando a perder as pessoas mais antigas. Aos poucos, sei que todos irão. Mas, mesmo assim, não é tranquilo dizer adeus a tudo que fomos.

Quando veio para cá, vejo o sentido de ter família grande. Serve para as enormes festas que damos, e para os momentos ruins que vivemos serem menos péssimos, e mais acolhedores. Afinal, tudo que é ruim, é melhor se compartilhado por tanta gente.

Maçãs



Cada tempero era uma dança. O rapaz flutuava entre as panelas em meio ao cominho, sal, cebola e água nos olhos. A cozinha tinha uma profusão de tampas nas paredes. Bules manchados de café, panelas enormes, outras bem pequenas, frigideiras e talheres de pau. Lembrei de Jorge Amado e sua Dona Flor. Vadinho comia cebola pra ficar com gosto ardido e beijo forte.

- Como será que é morder cebola como se fosse maçã?
- Eu, flor?

O menino andava pra lá e pra cá. Pegou uma panela grande, usada. Abriu a torneira d´água e lavou o alumínio, sujando um pouco a blusa. Lembrei dele no rio, respingado de água enlameada. Acendeu o fogo ralo e botou água pra ferver. Ia demorar.

Fui procurar temperos pra este macarrão. A negra dona da pousada estava lá fora, fuçando no quintal. Puxei conversa. Isso aqui, é manjericão? Eita que não, moça, é louro. Ria de mim. Sabe há quanto tempo moro aqui? Desde que nasci.

Cruzamos juntas a cozinha, a mulher ressabiada olhou pro moço que dançava procurando tampas. Homem sabe lá o que está fazendo... resmungou olhando pro chão e entrando cortina adentro.

A água fervente já estava cheia de massa. O macarrão ia amolecendo na panela. Eu debruçada na mesa cuidava para não perder o momento que, depois de colocar o sal e os temperos, o rapaz iria mexer o molho vermelho de tomates com a colher de madeira e levá-la à boca. Boca de homem que cozinha é vermelha, substanciosa, ardida. É a boca do melhor beijo que existe.

- Quer ajuda não? - dizia eu, mais mole que o macarrão na panela.

Ele só sorria e eu obedecia cheia de saliva na boca e colorido nos olhos.

DESEJOS....


Passar no Mestrado.


Ir pra Buenos Aires.


Ser paga pra ler.


Conhecer a Chapada Diamantina.


Passar um dia na biblioteca de Praga.


Tomar um café em Paris.


Morar um tempo no Rio de Janeiro.

LIMITES



Relato do Profº Pablo Ortellado (EACH-USP) sobre a barbárie ocorrida na Cidade Universitária da USP.

O seguinte relato nos foi enviado pelo professor Pablo Ortellado, da EACH-USP, em mensagem encaminhada pelo professor Marcelo Modesto (FFLCH), também presente na manifestação pacífica que resultou em confronto violento na Cidade Universitária da Universidade de São Paulo - USP.

Abaixo, partes do texto:

Urgente e importante: tropa de choque na USP


Hoje, as associações de funcionários, estudantes e professores haviam deliberado por uma manifestação em frente à reitoria. A manifestação, que eu presenciei, foi completamente pacífica. Depois, as organizações de funcionários e estudantes saíram em passeata para o portão 1 para repudiar a presença da polícia do campus. Embora a Adusp não tivesse aderido a essa manifestação, eu, individualmente, a acompanhei para presenciar os fatos que, a essa altura, já se anunciavam. Os estudantes e funcionários chegaram ao portão 1 e ficaram cara a cara com os policiais militares, na altura da avenida Alvarenga. Houve as palavras de ordem usuais dos sindicatos contra a presença da polícia e xingamentos mais ou menos espontâneos por parte dos manifestantes. Estimo cerca de 1200 pessoas nesta manifestação.

Nesta altura, saí da manifestação, porque se iniciava assembléia dos docentes da USP que seria realizada no prédio da História/ Geografia. No decorrer da assembléia, chegaram relatos que a tropa de choque havia agredido os estudantes e funcionários e que se iniciava um tumulto de grandes proporções. A assembléia foi suspensa e saímos para o estacionamento e descemos as escadas que dão para a avenida Luciano Gualberto para ver o que estava acontecendo. Quando chegamos na altura do gramado, havia uma multidão de centenas de pessoas, a maioria estudantes correndo e a tropa de choque avançando e lançando bombas de concusão (falsamente chamadas de "efeito moral" porque soltam estilhaços e machucam bastante) e de gás lacrimogêneo. A multidão subiu correndo até o prédio da História/ Geografia, onde a assembléia havia sido interrompida e começou a chover bombas no estacionamento e entrada do prédio (mais ou menos em frente à lanchonete e entrada das rampas).

Sentimos um cheiro forte de gás lacrimogêneo e dezenas de nossos colegas começaram a passar mal devido aos efeitos do gás – lembro da professora Graziela, do professor Thomás, do professor Alessandro Soares, do professor Cogiolla, do professor Jorge Machado e da professora Lizete todos com os olhos inchados e vermelhos e tontos pelo efeito do gás. A multidão de cerca de 400 ou 500 pessoas ficou acuada neste edifício cercada pela polícia e 4 helicópteros. O clima era de pânico. Durante cerca de uma hora, pelo menos, se ouviu a explosão de bombas e o cheiro de gás invadia o prédio. Depois de uma tensão que parecia infinita, recebemos notícia que um pequeno grupo havia conseguido conversar com o chefe da tropa e persuadido de recuar. Neste momento, também, os estudantes no meio de um grande tumulto haviam conseguido fazer uma pequena assembléia de umas 200 pessoas (todas as outras dispersas e em pânico) e deliberado descer até o gramado (para fazer uma assembléia mais organizada). Neste momento, recebi notícia que meu colega Thomás Haddad havia descido até a reitoria para pedir bom senso ao chefe da tropa e foi recebido com gás de pimenta e passava muito mal. Ele estava na sede da Adusp se recuperando.

Durante a espera infinita no pátio da História, os relatos de agressões se multiplicavam. Escutei que a diretoria do Sintusp foi presa de maneira completamente arbitrária e vi vários estudantes que haviam sido espancados ou se machucado com as bombas de concusão (inclusive meu colega, professor Jorge Machado).

Escutei relato de pelo menos três professores que tentaram mediar o conflito e foram agredidos. Na sede da Adusp, soube, por meio do relato de uma professora da TO que chegou cedo ao hospital que pelo menos dois estudantes e um funcionário haviam sido feridos. Dois colegas subiram lá agora há pouco (por volta das 7 e meia) e tiveram a entrada barrada – os seguranças não deixavam ninguém entrar e nenhum funcionário podia dar qualquer informação. Uma outra delegação de professores foi ao 93o DP para ver quantas pessoas haviam sido presas. A informação incompleta que recebo até agora é que dois funcionários do Sintusp foram presos – mas escutei relatos de primeira pessoa de que haveria mais presos.

A situação, agora, é de aparente tranquilidade. Há uma assembléia de professores que se reuniu novamente na História e estou indo para lá. A situação é gravíssima. Hoje me envergonho da nossa universidade ser dirigida por uma reitora que, alertada dos riscos (eu mesmo a alertei em reunião na última sexta-feira), autorizou que essa barbárie acontecesse num campus universitário.

Estou cercado de colegas que estão chocados com a omissão da reitora. Na minha opinião, se a comunidade acadêmica não se mobilizar diante desses fatos gravíssimos, que atentam contra o diálogo, o bom senso e a liberdade de pensamento e ação, não sei mais.

Por favor, se acharem necessário, reenviem esse relato a quem julgarem que é conveniente.

Cordialmente,

Prof. Dr. Pablo Ortellado
Escola de Artes, Ciências e Humanidades
Universidade de São Paulo

Outros lugares

Já avisei, mas só pra constar: o pessoal do Jornalirismo liberou geral! Publicaram um texto meu por lá.

O site já está linkado ali embaixo faz tempo (checa só que é o título do meu texto que aparece no feed!), mas não deixo de recomendar de novo. É bom de ler (o site).

O texto está assinado "Doria Darcie", e já foi publicado aqui antes.

Eu fiquei felizona.

http://jornalirismo.terra.com.br/literatura

Recomendação



Vindo para o Rio, meu ônibus foi parado pela polícia federal. Entraram, lanternas e fuzis. No banco ao lado, o único homem negro do ônibus foi também o único a ser completamente revistado e ter as bolsas todas abertas. A mim, o policial delicadamente disse: faça uma boa viagem, senhorita.

O Rio é, depois da Bahia, o lugar mais negro onde já estive. Vir pra cá é sempre se perguntar: afinal, por que diabos, o racismo tão intimamente entranhado, e tão escandalosamente exposto nas batidas policiais, é tão auspiciosamente negado por todos? Como é que temos a coragem de falar em democracia racial? Eu tenho vergonha desta forma de se pensar o meu país. Democracia o caralho.

E vindo pra cá também me lembrei que algum juiz de merda cancelou as cotas aqui no Rio, única política que de alguma forma conseguiu trazer à pra discussão a maior das feridas "da psiquê nacional" - como bem afirma o querido Alex.

Como ele trabalha muito bem com este tema, recomendo imensamente a série de artigos sobre racismo do site do Alex. Ah, e recomendo também a leitura dos comentários, que infelizmente comprovam todas as teses do dono do site e são a maior prova de que sim, precisamos das cotas, e não só nas universidades.

Boa leitura.

Série Racismo do LLL

Rio

Esta cidade me traz uma tranquilidade de se estranhar. Este monte de verde, montanhas e esta bagunça toda, as casa e prédios velhos, os morros tomados por casinhas, o samba sempre tocando na rua. Bons amigos em cinco minutos e cervejas demais.

É gozado que, diante de um povo tão interessante, tão fácil, chega a dar uma certa inveja...poxa, não sou carioca!

Acho que viver em São Paulo me endureceu, criei casca, aprendi a fazer um ar blasé. O Rio me amolece, me sinto sorrindo demais, as bochechas doem. Você vê que mesmo diante desta confusão, tanta gente vive tão feliz aqui. Eles parecem não ter vergonha de serem mais leves, e a gente acaba ficando mais maleável, mais tolerante, mais confortável, mesmo quando tem um fuzil na tua frente e acorda com tiros de metralhadora de madrugada. A vida dura também nos torna mais flexíveis.

O Rio de Janeiro está na minha lista de cidades onde preciso morar um tempo.

Deixa eu ir, que tem samba no Ouvidor.

Pastel com sol



Sentia o sol bater em seu rosto, mas os olhos teimavam em não abrir. Seu corpo pesava pelo menos sete toneladas. Se esquecera de fechar a veneziana no dia anterior e aquela claridade ardia um pouco. Parecia que tinha sido atropelada. Forçou os olhos a abrirem, a cabeça doía um pouco. Levantou a cabeça devagar, lembrou-se das bebidas da noite anterior. Levou alguns segundos até conseguir se mexer novamente. Sentou-se na cama e percebeu que tinha alguém ao seu lado.

- Ah, o moreno bonito das bebidas e da loira.

Como era mesmo seu nome?

- Bonita bunda, pensou alto.

Na noite anterior, entediada, sentara-se num sofá no andar de cima para não falar com ninguém. Tinha passado um pouco da conta e mal conseguia acender um cigarro. O casal ao lado estava enlouquecido, se agarrando feito bicho. Do seu lugarzinho no sofá, passou a observá-los. O rapaz era alto e tinha um cabelo bem cortado. Aposto que tem boca bonita, lhe ocorreu. O rapaz engolia a moça e dela só se podiam ver uns cabelos tingidos compridos. Olhou bastante pros dois, medindo o casal. Quem seriam? Namorados? Amigos? Vai saber...Bateu o copo na mesa de centro e se jogou pra trás.

O boca bonita largou a loira por alguns instantes. Acendeu um cigarro, e serviu mais bebida. Para os três.

- Saúde, disse.
- Muito bem, respondeu. Obrigada.

E voltou para os beijos com a sem rosto. Continuou sendo observado, nossa personagem bastante interessada no relacionamento dos dois no sofá já era meio indiscreta.

- Que foi?, perguntou ele.
- Você tem uma boca bonita. E beija bonito. Tô olhando, ué.
- Quem é essa?, a loira.
- Você gostou?
- Gostei.
- Então por que não me beija?

O rapaz realmente beijava bonito demais. Beijando a morena, conseguiu um olhar bizarro da tingida, que se levantou do sofá na hora.

- Que diabos é isso? Porra, você tá pensando que eu sou o quê? Seu idiota!
- Mulher, volte aqui, tô saindo, não quero estragar tua noite não.
- Não, você fica. Teu beijo é bom! Ei, loira, volta aqui, tem pras duas!
- Vai se foder.
- Poxa, mulher, eu tava achando bonito era vocês dois se beijando. Volta pra ele.
- E você, vá a merda com ele.
- Ei!
- Quê?
- Me dá um cigarro?

A loira jogou o maço meio vazio na mesa e desceu as escadas.

- E agora? Era tua namorada?
- Não, alguém que conheci aqui.
- Puxa, desculpe.
- Sem problemas. Ainda bem que ela se foi. Gostei mais de você.
- Pra casa?
- Já.

O moreno de boca bonita chegou em casa, agarrou a moça, jogou numa das camas, broxou e dormiu. Pela manhã bem cedo, abriu os olhos e se vestiu sorrindo engraçado.

- Bom dia.
- Oi.
- Preciso ir.
- Sem problemas.
- Que é isso lá embaixo? Feira? - olhando pela janela.
- Sim, domingo.
- Vamos, te pago um pastel.

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Segue Laurita, nosso texto irmão. Histórias que começam igual sempre podem ter fins diferentes! Beijos!

Pra conferir, o texto irmão está no Migraña Loco.

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A atriz



Amigo, que namorada interessante você tinha. Eu me lembro bem dos olhos enormes e castanhos dela, do jeito de atriz desengonçada, da magreza e de uma certa preguiça nos braços. Quando a conheci não consegui olhar para outra pessoa na mesa do bar. Ela tinha um cabelo liso que parecia machucar-lhe os olhos, como gravetos compridos e finos furando o cristalino. Tinha uns pés imensos, um nome de desenho e ao contrário de mim, ficava calada o tempo todo mantendo o mistério.

Na primeira noite que te beijei, sentada naquele banco de madeira machucando as pernas, a rua não me pareceu tão vazia. Eu tinha o sentimento delicado de que ela estava ali, suspensa, nos olhando. Mesmo assim, te sorri e te beijei. Ela era nossa cúmplice, e nos olhava através da noite cuidando para que nenhum mal acontecesse.

Te levei pra minha casa, e ela nos deixou quando bati a porta. Pela manhã, quando você já havia se tornado um estranho novamente, me enrolei num lençol amarelo pra te ver sair. Estranho é beijar quem importa, pensei.

- Bate a porta.

Olhei pela janela e vi teus passos lentos, sonolentos, os braços pendendo pesados ao lado do corpo. Ela, do outro lado da rua, olhou pra cima e me lançou um sorriso bobo.

No caminho de todo dia, passei a enxergá-la nas esquinas. Eu tomava um café, a moça parada me olhava na vidraça. No teatro, as atrizes pintadas se pareciam com ela. Dentro dos meus livros, eu pensava personagens para ela. Não era assim uma presença que causasse angústia. Seus olhos imensos me pareciam bonitos e me acostumei com eles.

Eu me lembro que você a deixou numa tarde esquisita, enquanto chovia e ela tentava te cobrir com um guarda-chuva azul. Foi o que contou no dia seguinte, deitado no meu sofá. Mas...quem era você sem ela?

- Bate a porta.

Filha de Oxum?

Eu não entendo nada de candomblé ou umbanda, e também não sei a diferença. Não vou falar muito sobre o que não sei, e respeito.

Hoje um senhor me abordou do nada, no meu bar de sempre, e me disse: querida, sempre te vejo por aqui, e quero te dizer uma coisa: tu é filha de Oxum.

Mas que diabos isso significa? Perguntei. Coisa boa? Ele: coisa boa e ruim, tanto como a vida, só resta aceitar e viver os dois.

Tarde da noite, estou aqui tentando entender. Achei lindo.

Oxum é a deusa das águas doces. É livre, forte. Diante da aparência segura e, esconde entranhas cheias de segredos. Esta ligada aos arquétipos de Afrodite e Artemis, à conquista, aos prazeres sexuais, ao amor intenso. Geralmente têm a feminilidade exaltada. O feminismo também. Os filhos de Oxum são amigos das festas, dos prazeres e comidas. Um filho de Oxum é imprevisível, se entedia facilmente, quer que a vida tenha sempre um sentido romântico, que flua, que siga, como um rio.

Mas tem muito mais...a mitologia é muito rica e meu sono me impede de continuar.

Ligação direta



Oi. Você está na fila? Guardado pra mim, sei. Era você que estava me olhando metade da noite? Desculpe, sou míope. É, óculos desde criancinha. Não, a noite não. Porque em vez de ver meus olhos você veria um monte de luz piscando na minha cara. Sozinha? Não, vim com uns amigos que já estão espalhados por aí. Ali, olha um. Com a cabeluda de peito grande. Nunca te vi aqui. É? Eu também, de vez em quando. Então era você, o cara da mesa cheia de mulher, olhando. Que isso, fala assim não. Verdes. Não azuis, verdes. Você também não enxerga? É, mais de perto dá pra ver. Calor, né? É, já deu a hora, vou pra casa. E você? Pra minha? Não, claro que não. Tem gente lá. E, afinal, não tenho mais vinho em casa. Você toma vinho, né? Homem que não toma é estranho. Certo. Espera, vou pagar. Quer a balinha do troco? Bem, então eu vou. Depois? Hum. Talvez. Onde? É, não parece ruim. Está bem. Te encontro ali então, embaixo da luz amarela. Não sei seu nome. Fica com o número. Até.

(...)

Alô? Sim, é ela. Ôpa...tô na cama. É, já. Esqueci de você. Sim, péssimo. Tem algo que...Alô?

(...)

Canção para desembaralhar



Hoje li que posso ser processada por postar músicas e poemas alheios no blog. Antigamente poderia escrevê-los em bilhetes e passar pelas mãos dos colegas de classe, até chegar a melhor amiga ou ao rapaz de olhos bonitos. No máximo, uma bronca de professor.

Que posso fazer? Tem coisa que certas gentes dizem tão mais bonito que eu. Quando a mente tá cheia de coisas, tudo misturado, uma tarde ouvindo poesia ajuda a desembaralhar. Hoje foi o Chico que me salvou:

Qualquer canção

Qualquer canção de amor
É uma canção de amor
Não faz brotar amor e amantes
Porém, se esta canção
Nos toca o coração
O amor brota melhor e antes

Qualquer canção de dor
Não basta a um sofredor
Nem cerze um coração rasgado
Porém ainda é melhor
Sofrer em dó menor
Do que você sofrer calado.

Qualquer canção de bem
Algum mistério tem
É o grão, é o germe, é o gen da chama
E essa canção também
Corrói, como convém,
O coração de quem não ama.

Meninos e meninas

Outro dia, à toa em casa, resolvi procurar antigos amigos de infância na Internet. Difícil recordar todos os nomes completos, mas o orkut foi ajudando...

Uma das pessoas que eu mais queria saber que fim levou era um garoto, amigo do prédio onde passei dos 4 aos 12 anos, bravo, forte, que batia em todo mundo. Não consegui encontrar de forma alguma, mesmo com o sobrenome completo. Eu lembro de ter que negociar demais com ele para que não batesse nos outros e estragasse a brincadeira. No fim, era amoroso e prestativo, sempre usando sua força a nosso favor.

Outro pessoal que eu queria ter notícias eram três irmãs que brincavam comigo, cujo pai tocava flauta doce e de longe podíamos ouvir os ensaios do último andar. Estas eu encontrei. São meninas com tantos filhos que não decorei os nomes. Estão felizes de tudo com tantas crianças, e se assustaram ao dizer que nunca pensei em filhos, afinal... sou nova demais.

Da escola, tinha saudades de uma menina chamada Roberta, e de quem não tenho mais notícias há anos. Encontrei outro dia na rua, ela morava em São Paulo hoje e me pareceu feliz. Nos perdemos novamente. É a sina.

O pior reencontro que já tive foi com um ex paquera de quando eu tinha 14 anos. Nos vimos, conversamos, e em cinco minutos ele vira pra uma amiga dele (que não sabia ser minha amiga também), e solta: nossa, mas a Cacá era tão melhor naqueles tempos!

Agora a maior surpresa que tive foi descobrir notícias de uma amiga de escola, que tinha uma letra linda, cabelos cacheados bem bonitos também, num lugar meio estranho: uma capa da Playboy antiga. Não é que a guria é um sucesso no mundo masculino?

Alicerce



Aquele meu bairro tinha umas calçadas em ziguezague bonitas, lembra? Havia pouco eu tinha voltado pra delícia de se viver no Brasil, e tudo tinha um ar de novidade. Tinha novamente a sensação de viver num mar de verde. Até você, tão antigo na minha vida, teve assim um ar fresco. Pensei com amor: por que não?

Deixei você se aproximar, tirei uns tijolos da frente dos meus olhos, e cozinhei pra você. Cuidei de alguém por algumas horas, durona que sempre fui e sou.

E aí ninguém precisou falar muito. Fica. Fico. Veja este som. É meu. Quero voltar. Volte.

Acho que a vida nos deu um parênteses naqueles primeiros meses. Ela decidiu não nos tocar. Deixou tudo fluir.

Me lembro bem quando passamos da sensação boa da calmaria do interior, pra confusão imensa da cidade grande. Era uma confusão imensa em mim, em você, no mundo inteiro.

Você acabou sendo o alicerce da minha vida adulta. Foi com você que discuti toda vez que a falta de dinheiro, o trabalho excessivo, a falta de tempo, o cansaço acabaram comigo. Quando a dúvida de saber quem eu era me jogava longe. O ciúmes da tristeza daqueles dias comendo as beiradas da gente, comendo nossas carnes, cabelos, nossas vontades e as palavras mais doces. Foi com você que dividi as contas, a cama, as roupas, os problemas, as noites nos bares, os shows de jazz. Uma brincadeira de ser adulta imensamente dolorosa.

Um dia a gente se olhou tão cansado, era um cansaço vital, de morte, todos os ossos do corpo doendo ao mesmo tempo. E o fio que ligava teus olhos escuros a mim se arrebentou numa lavanderia minúscula. Apertada. Angustiada. Cheia de roupas sujas, chão sujo, tudo quebrado, uma coisarada imensa dentro da gente quebrada.

Hoje, anos depois, quase que dá pra falar disso. Quase que dá pra lamentar. Quase que dá pra entender. Mas crescer será sempre um parto. Perder as pessoas pelo caminho também.

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Post ao som de Scofield, Frisell, Milton, Miles, Bandeira, Stone, Coltrane, Osbourne, Roland, Chico...enfim, todos os sons que, no fundo, são emprestados da tua história.

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Bom conselho



Ouça no original, música que não sai de mim:

Ouça um bom conselho
Que eu lhe dou de graça
Inútil dormir que a dor não passa
Espere sentado
Ou você se cansa
Está provado, quem espera nunca alcança

Venha, meu amigo
Deixe esse regaço
Brinque com meu fogo
Venha se queimar
Faça como eu digo
Faça como eu faço
Aja duas vezes antes de pensar

Corro atrás do tempo
Vim de não sei onde
Devagar é que não se vai longe
Eu semeio o vento
Na minha cidade
Vou pra rua e bebo a tempestade


Chico Buarque

Ouvido atento

Existem pessoas que são pura música. Umas são um violãozinho tocado sozinho, um tango, ou uma roda de samba inteira. Certa vez um querido me disse que se eu fosse um gênero, só podia ser free jazz.

Eu tô procurando uma coisa que perdi: quero achar a música que sai de dentro dos outros. Esta música que não termina, mas continua recomeçando. A gente ouve ouve e as notas bonitas continuam saindo dos dentes brancos. Pode olhar pra boca que se move e ver as tantas notas sequinhas, peneiradas, delicadas subindo ao céu.

Eu estou aqui e permaneço atenta. Já estive lá, e sei que a música existe em todos. Entretanto, são poucos e raros os sons que me fazem ficar.

Fumantes ativos e passivos do hábito




De onde saiu este, tem mais: QUADRINHOS

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O que acho legal das histórias em quadrinhos é a capacidade de resumir em uma imagem e 2 frases aquilo que eu demoraria parágrafos inteiros pra contar.

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Quando eu ainda era meio criançona, roubava cigarros acesos da mãe da minha melhor amiga. Ela era avoada, acendia e esquecia no cinzeiro queimando sozinho. A gente pegava e ia fumar no quintal. Lembro dos algodões perfumados que minha amiga mantinha em casa, para passar no rosto e mãos, tentando disfarçar o cheiro.

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Isso aí já faz uns 15 anos. E agora, pela quinquagésima vez tentando não fumar, dou de cara com estes quadrinhos bem feitos aí em cima. Estou na fase do cara enfiando o maço na boca de tanta vontade. Quero que todos os fabricantes desta merda morram lentamente.

Dramas virtuais

Há dez anos atrás sequer tínhamos computadores em casa. Hoje, metade da vida se desenrola diante das telas. Laps, celulares, palms. Blogs, sites de relacionamento, personagens virtuais, pokes. E até minha mãe me pediu estes dias para ensiná-la a usar o Twwiter, pois queria ser amiga do Ashton também.

Minha vida virtual chega a ser mais rica que a real. Dramas intensos se desenrolam, conversas de mil horas por webcam, destinos decididos. Publico verdades e mentiras, recupero amigos, arranjo casas, caronas, escrevo petições, pesquiso, me relaciono. Criamos redes de interesse, nos falamos muito.

Acho que ri mais em frente à tela, e também chorei mais, do que fora dela nestes últimos anos.

Imagino que será possível quando eu tiver uma internet rápida na tela do celular.

Algumas cartas já nascem escritas



Caro amigo,

Estou aqui a te imaginar nas tardes mornas do teu apartamento pequeno da Vila. Aquela janela fio de vida escorrendo na rua, o embaçado causado pela fumaça de cigarro esquecido no cinzeiro, e livros imensos onde você apóia os braços. Sentada na tua cama, pernas cruzadas, te olho e nada te explico. Sabe que sou muito de falar e pouco de dizer.

Quisera eu te escrever cartas, são mais permanentes. Até cafés são mais permanentes que estas conversas, apesar de esfriarem. Impermanência... Tudo facilmente "deletável". Devia escrever livros então.

Querido, você não acha que bons textos o amor ao outro tem que gerar em mim? Acho que sou capaz de amar por literatura.

Sem subterfúgios, sem exasperações. Um amor respeitável e tranqüilo, desses que o tempo passa lento ao lado. Medir um amor pelo tempo literário dele. Pelos autores lidos. Conhece-se alguém pelo que lê, não?

Aliás, deixe-me te contar. Lendo Sartre aqui, achei coisa mais bonita que o próprio livro, dentro dele. Eram dois pedacinhos de papel, um com minha inicial, e outro com outra letra, pois eu e certo rapaz estávamos lendo juntos o mesmo bonito romance. Ele e eu vivíamos meio juntos esta época, e junto de você também, naquela casa cheia de cachorras, mexericas e música. Toda a história era lenta e as tardes eram mais dorminhocas. As noites, menos. E líamos o mesmo livro enquanto o outro dormia. Líamos você, eu acho. Ele tentava me encontrar em algo que era teu. Bonito, não? Toda uma rede de poesia, romance e beleza.

Descobri que foi por ter vivido coisas tão belas assim, tantas e tantas delas, que me tornei impermeável ao amor. Eu olho para ele pensando em poesia. Eu não vivo o amor, eu o leio. E quisera eu pudesse escrevê-lo também.

Saindo de mim e olhando o amor, eu vejo que não quero nada de mais nem de menos. Porém, quero que seja natural e belo como os poemas do Pessoa que este moço lia pra mim. Amor delicado, com temperaturas. Quente da cama compartilhada, do amor bem feito, frios das manhãs de outono na rua, das noites lá fora no quintal. Amor suado de baião ou de roda de samba, cheiro de pimenta, cebola. Amor com textura de flanela, cheiro de chuva e fumaça na janela. Amor cheio de livros, que são pra mim coisas tão belas quanto as pessoas.

Quero ter todas as experiências mais bonitas e mais leves, quero mãos diferentes das minhas me mostrando partes do meu corpo que eu nem conhecia. Mãos com outras histórias de vida. Com outros cheiros. Cabelos loiros imensos, bagunçados, e cachos escuros preenchendo minhas mãos.

Mas, mais que tudo, quero ter histórias. Quero vivê-las todas tão bonitas quanto madrugadas. Voltarei pra casa sozinha e completa, as cócegas de tanta beleza explodindo em meu rosto, e serei capaz de escrever belíssimos livros.

Um grande abraço,

Da amiga,

(...)